Artigo | Semana dos migrantes e pessoas refugiadas

Por Ir. Rosita Milesi*

“O direito a permanecer é anterior, mais profundo e mais amplo do que o direito de migrar. Inclui a possibilidade de participar no bem comum, o direito a viver com dignidade e o acesso a um desenvolvimento sustentável, direitos esses que deveriam ser efetivamente garantidos nos países de residência”. (Papa Francisco, DMMR 2023)

O que me motivou, há mais de 20 anos, ao fundar o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) foi a angústia que eu via em pessoas migrantes e refugiadas, embora poucas à época, por não terem documentos válidos em suas mãos e a dificuldade ou impossibilidade que tais pessoas tinham de conseguir caminhos, meios, para solucionar este problema.

Eu, como Irmã da Congregação das Scalabrinianas, não fui enviada a Brasília para esta missão. Fui enviada para viabilizar um Centro de Estudos Migratórios, e foi viabilizado. Já completou 35 anos. Mas o que me angustiava eram as pessoas que sofriam por falta de documentos. Tive a alegria e a sorte de encontrar pessoas com quem partilhei esta preocupação que já vinha acompanhada de um sonho: criar uma instituição que atendesse e apoiasse migrantes e refugiados. Confiamos na Providência de Deus e na colaboração dos homens e mulheres de boa vontade. A fundação do Instituto se viabilizou em 1999. E a casa, que levou anos para ser concluída, sempre foi bem habitada desde o momento em que colocamos o telhado, as portas e as janelas. Neste caminhar, estamos seguindo no cumprimento de nossa missão.

Quando iniciei minha atuação em Brasília, nos anos 90, a questão migratória da vez era a de Angolanos, com um fluxo de migrantes e refugiados que deixavam o país devastado pela fome e a guerra civil angolana.

Atuando ao longo já de 35 anos, primeiro no Centro de Estudos e depois no IMDH, fomos desafiados por fluxos expressivos de migrantes e refugiados, sendo os dois maiores o de haitianos e agora o de venezuelanos, causado pela crise política e social da Venezuela. Neste momento, o IMDH mantém suas atividades em Brasília e em Roraima, sendo que lá atendemos mulheres e crianças migrantes e refugiadas.

Por propósito, o IMDH dedica-se ao atendimento jurídico e socioassistencial, à acolhida humanitária e à integração social e laboral de pessoas migrantes, solicitantes de refúgio, refugiadas e apátridas, principalmente aquelas em situação de maior vulnerabilidade. Em 2022, por exemplo, atendemos pessoas de aproximadamente 50 diferentes nacionalidades.

Esta semana de migração e refúgio é uma ocasião especial de atenção e reflexão sobre a realidade migratória no país e no mundo. Sabemos que o deslocamento das pessoas faz parte da história e sempre ocorreu ao redor do globo, seja por qual razão for, é uma realidade hoje, mais do que nunca e que não há indicativos de que se reduza em breve prazo. A globalização jamais será um terreno apenas das divisas, das ações e dos capitais que se movem em um mundo sem amarras e sem fronteiras. Será também um campo fértil para que populações se desloquem em busca do tanto de dignidade que lhes foi retirada em sua terra natal.

Sendo migrações e refúgio uma realidade à qual devemos dar cada vez mais visibilidade, é fundamental sublinharmos a importância de trocarmos os muros pelas pontes, com atenção a direitos fundamentais e respeito às condições daqueles e daquelas que, pelas mais variadas razões, buscam uma nova terra que os acolha.

Acredito, contudo, que mais importante que nós – os militantes desta causa – e do que as instituições que representamos, é dar ou expressar a voz dos migrantes e refugiados. Mais do que qualquer número, mais do que qualquer cifra, é de vidas humanas que estamos tratando. Suas histórias, sonhos e motivações são o alento a que recorremos quando parecem faltar as forças para superar as dificuldades.

Para isso, pessoalmente fiz duas perguntas a migrantes e refugiados de várias localidades e gostaria de compartilhar com vocês as respostas. A primeira pergunta foi “O que mais te preocupa como migrante/refugiado no Brasil? Os temas da violência e a xenofobia, figuram de maneira importante. A condição econômica do Brasil, tema que aflige também as famílias brasileiras, é percebida pelo grupo que respondeu a questão. Uma migrante respondeu: “Uma das coisas mais preocupantes para mim, considerando que eu sou mãe e pai, é não conseguir uma estabilidade econômica para sustentar minha família. Um salário mínimo apenas permite pagar os gastos de aluguel, luz, água, transporte. Não sobra para a comida e ademais está complicado arrumar um emprego estável”, diz ela.

A qualidade dos serviços públicos e até a dificuldade de comunicação, de como ter acesso aos serviços, também geram apreensão nessa comunidade. Uma refugiada nos diz que: “O acesso às instituições públicas é muito lento, com longas filas de espera para atendimento. Muitas vezes as pessoas não são atendidas a tempo de conseguir o que necessitam com urgência, principalmente comida e remédios”.

No conjunto das respostas, há uma opinião que nos alerta para uma questão nem sempre suficientemente considerada ou percebida: a necessidade de o Brasil oferecer um suporte de atendimento psicológico para os migrantes e refugiados. É o que nos lembra CLEF, ele mesmo psicólogo: “O que mais me preocupa é a saúde mental dos imigrantes e refugiados. Nos últimos tempos tem chegado a mim casos de pessoas com tendências, para não dizer decisão, de suicidar-se. Alguns alegraram a xenofobia como causa de sua profunda depressão”.

Outro migrante, já mais experiente aqui em Brasília e que vem apoiando um pouco seus conacionais, disse: “Duas questões importantes para sobreviver: trabalho e saúde; nas questões de trabalho, com o que se consegue em termos de ingressos, somos hipossuficientes; e não temos nenhuma outra renda, além do nosso estrito salário”.

“Estou preocupado, disse um refugiado chegado recentemente, tenho medo de não conseguir emprego e por isso me ocorre voltar ao meu país, mas esta ideia me apavora”.

A outra pergunta que fizemos foi “O que você gostaria de dizer ou sugerir ao Brasil, o que poderíamos fazer para melhorar a vida dos migrantes e refugiados?”

Um ponto que nos chega com frequência é que os migrantes gostariam de simplificações na estrutura burocrática. Alguns responderam muito direto: “Simplificar a validação de diplomas. Isto nos permitiria, dizem, contribuir mais e melhor com este país que nos acolhe, pois dedicaríamos a ele nossa qualificação e competências”.

CLEF, o psicólogo que mencionei na resposta anterior, sugere que as políticas de migração poderiam contar com as contribuições da própria comunidade migrante e suas experiências. Isso, na opinião dele, produziria políticas públicas mais efetivas. Trabalhar com migrantes e não apenas para migrantes. Ou seja, envolver os profissionais na construção da Política Migratória sobretudo na área da saúde, isso significa a contratação de migrantes, enquanto profissionais qualificados” ele opina.

Outra resposta foi “Que o Brasil ajude na reunião familiar, porque é muito triste a gente trabalhar, ter documentos, pagar imposto, fazer tudo direitinho, e não conseguir reunir a família., viver longe da esposa e dos filhos”.

À parte de buscarem a realização pessoal e para suas famílias, migrantes e refugiados desenvolvem afeto pelo nosso país e dizem que gostariam de contribuir mais para a nossa sociedade. Uma migrante que vive em Roraima nos diz: “Eu gostaria que cada um de nós tivesse as mesmas oportunidades de trabalho, moradia, acesso à saúde e educação para melhorar a qualidade de vida e ser uma pessoa útil à sociedade e não uma carga para o Brasil”.

No IMDH, em 2022, atendemos mais de 7.400 pessoas em Roraima e 3.605 aqui em Brasília. Estes contatos nos permitem, assim como ocorre na vida e trabalho de pessoas aqui presentes e pelo Brasil afora, vivenciamos as angústias, as preocupações dos migrantes e refugiados. São pessoas que querem recomeçar sua vida e não exigem condições privilegiadas. Reconhecem que dificuldades são naturais em um novo país e que estão dispostos a acolher os costumes e cultura da sociedade que os acolhe, mas desejam também com ela colaborar, aportando seus saberes, capacidades, talentos, cultura. Regras claras, um olhar humanizado e sensibilidade são essenciais para estender a mão a essas pessoas e isto pode fazer toda diferença na vida delas.

O Brasil tem um longo histórico de migrações e de refúgio. Grande é o número de pessoas que tem ao menos um antepassado que já viveu a experiência da migração ou até mesmo do refúgio. Essa inspiração é a realidade que precisamos reencontrar, afinal, somos um país de migrantes e, no mundo atual, isso é uma riqueza que não podemos desperdiçar.

* Diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos/Fundação Scalabriniana