O Dia Mundial do Refugiado – 20 de junho -, em Brasília, foi marcado com a realização do seminário “Refúgio, Migrações e Direitos Humanos”, ocorrido nos dias 21 e 22 de junho, promovido por: Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e Centro de Proteção Internacional de Direitos Humanos (CPIDH), com o apoio da Universidade de Brasília. Participaram em média 95 pessoas, entre as quais representantes de quase todos os Estados brasileiros.
Seminário “Refúgio, Migrações e Direitos Humanos”
João Paulo Santos
Ir. Andreza Perin
Eliane Costa Guimarães
O Dia Mundial do Refugiado – 20 de junho -, em Brasília, foi marcado com a realização do seminário “Refúgio, Migrações e Direitos Humanos”, ocorrido nos dias 21 e 22 de junho, promovido por: Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e Centro de Proteção Internacional de Direitos Humanos (CPIDH), com o apoio da Universidade de Brasília. Participaram em média 95 pessoas, entre as quais representantes de quase todos os Estados brasileiros.
A dinâmica do seminário foi de um espaço amplo de discussão, com painéis gerais que trataram a questão dos refugiados desde suas origens e concepções, levando à reflexão, análise e profundidade do tema. Sob a forma de exposições e debates, foram realizadas várias conferências, entre elas a do Representante do ACNUR, Sr. Luis Varese, e do Secretário Executivo do Ministério da Justiça, Dr. Luis Paulo Teles Ferreira Barreto. Retrataram a relação entre a conjuntura internacional, os marcos teóricos internacional e nacional e a questão do refúgio hoje. No segundo painel, coordenado por Ir. Rosita Milesi, foi de suma importância o depoimento de uma refugiada (omitimos o nome, respeitando o anonimato que se impõe), de nacionalidade colombiana, retratando e confirmando a idéia de que o refúgio não é uma mera questão teórica, mas uma relação concreta e palpável.
O Seminário ainda contou com um vídeo sobre reassentamento, uma mesa composta pelo professor José Flávio Sombra Saraiva da UnB e por Renato Zerbini do CPPDH e, por fim, encerrou-se com uma reflexão axiológica conduzida pelo religioso dominicano, Frei Betto.
21 de junho de 2004
A parte da manhã, após a abertura dos trabalhos conduzida pelo Reitor da Universidade de Brasília, Lauro Mohry, trouxe o primeiro depoimento importante do dia, tanto pela reflexão acerca da ameaça à democracia e aos direitos humanos e a necessidade de inserir este tema no debate universitário, quanto pelo seu depoimento pessoal de que o tema o interessava em específico por ter sido ele também um refugiado político. O representante do ACNUR, Luiz Varese, no primeiro painel, conduziu uma reflexão fundamental sobre o tema, aproximando-o de todos os participantes. Destacou um dito peruano: “Em nossa geração, quem não foi uma vez refugiado, não é um homem decente. Ser refugiado, muitas vezes, é uma medalha de honra”.
A conjuntura internacional
A primeira conferência foi proferida por Luis Varese, representante do ACNUR. Tratou do direito internacional da pessoa humana, na vertente do direito dos refugiados, sua atual conjuntura e as crises após os atentados de 11 de setembro.
Luis Varese iniciou sua reflexão afirmando que, mesmo sendo um fato objetivo que os estados e os governos têm o direito e o DEVER de proteger seus cidadãos, não existe ainda país sem controle das fronteiras e nem uma política de fronteiras abertas, nem mesmo na União Européia.
A partir desse paradoxo, se relembrou que, no marco internacional, depois dos anos 50 (2ª. Guerra Mundial), surge a Carta das Nações Unidas, buscando uma convivência pacífica e ordenada dos Estados. Nesse contexto surge o ACNUR, criado em 1950 em um pequeno escritório com um comissário, 38 funcionários e verba de duzentos mil dólares para um trabalho de 4 anos. Esse seria o tempo necessário, pensava-se, para acabar com a necessidade de refúgio no mundo.
Todavia, não foi isto que ocorreu. Luis Varese indicou que hoje, o orçamento já é muito superior, o ACNUR tem cinco mil funcionários, 142 escritórios no mundo e tem sob seu mandato 17,5 milhões de refugiados. Longe, muito longe, portanto, de alcançar o momento em que sua existência não mais seria necessária. É importante destacar que o crescimento do ACNUR, ao contrário do que ocorre com qualquer outra empresa ou instituição, é uma tragédia e não um sucesso, porque é a constatação de que o problema dos refugiados continua a crescer no mundo.
Aquela visão inicial, otimista, se revelou falsa e o contexto de guerra fria e do atual mundo unipolar revelaram-se criadores de refugiados em escala crescente.
Após os atentados de 11 de setembro em Nova Iorque e de 11 de março em Madrid, o direito dos refugiados vem sendo questionado em todo o mundo. A solidariedade entre as nações foi abalada. O atentado, obviamente, não poderia ter uma mera reação gentil, mas a resposta foi um ato de terror a reagir ante outro ato de terror: uma reação exclusivamente militar. E a democracia, construída com sangue e luta, vai sendo destruída por uma reação equivocada a um feito em si horrível.
Já em setembro de 2001, o ACNUR falou publicamente que a reação ao atentado atingiria aos refugiados e os solicitantes de refúgio e que, mesmo que se mantenha a abertura, muitos países iriam buscar critérios mais rigorosos na seleção. Algo importante é perceber que a queda das torres gêmeas não foi um ato isolado de perturbação aos direitos humanos; no Chile, 30 anos antes, houve um exemplo igual de violação estrangeira aos direitos de um povo.
Porque outros atos de violação aos direitos humanos não geraram uma resposta trágica e bélica como a reação ao 11 de setembro? Porque, depois da guerra fria, mudou a expressão do poder no mundo. E por isso o direito internacional é questionado e precisa ser reforçado.
As resoluções do ACNUR são claras: não se abrigam terroristas sob a proteção do refúgio. O instituto do refúgio nada tem a ver com os atentados. Todos os terroristas do WTC eram migrantes LEGAIS, nenhum clandestino ou irregular, nenhum refugiado. Fechar as portas a todos os estrangeiros, como os Estados Unidos vem fazendo, é uma reação primitiva de “tenho medo, fecho as portas”. Precisamos, no mundo de hoje, de uma racionalidade mais eficaz que esta.
O Estado, obviamente, tem que proteger os seus cidadãos todavia, como foi dito na plenária das Nações Unidas de 18 de dezembro de 2002, as medidas de combate ao terrorismo têm que se adequar aos direitos humanos. A segurança entre os Estados somente vai aumentar com a ampliação da ONU. A ONU não vem de fora, não é “alienígena”, mas é fruto e decisão dos próprios governos. Reforma sim, é necessária como, afirmou o secretário-geral da ONU, Kofi Annan.
O grupo dos 77 já vem tendo uma importante expressão na ONU. E lembremos que, se não há mais discussões ou medidas corretas na ONU, a culpa é dos próprios representantes dos governos. Para a proteção dos direitos internacionais, reformas são bem-vindas, como a busca de fóruns para isto, a exemplo do Tribunal Penal Internacional, onde todos os países devem ser julgados sem restrições.
Outra necessidade para um mundo mais seguro para as nações é a redução da pobreza. Vivemos em um tempo de avanço tecnológico, no mundo mais rico da história mas que tem um crescimento fenomenal da miséria humana.
Uma possibilidade de resposta a este mundo díspar e inseguro, com um novo marco no direito internacional, é a construção de multiplicidades, multilateralismos como o Mercosul (impulsionado pelo Brasil), ou a África (liderada por África do Sul) ou a Ásia (Indonésia) são marcos importantes.
A proposta então é a ampliação dos pólos de negociação e, em relação ao ACNUR, é ampliar e abrir novos espaços. Na América Latina, há história e tradição de refúgio, luta por democracia e golpes militares. A construção de um direito humanitário, de um direito de refúgio faz parte de nossa tradição. Em 1889, já se configurava o Tratado da Lei Penal de Montevidéo, falando sobre os refugiados. Nos anos 80, quando ocorriam conflitos na América Central, surgiu o Acordo que deu origem à Declaração de Cartagena. É exemplo de espaços que podem se abrir para a proteção internacional dos perseguidos.
Ao contrário do senso comum, os conflitos na América Central não são meras conseqüências da Guerra Fria, mas fruto de uma situação muito mais profunda e complexa. Na Nicarágua, são cinqüenta anos de ditadura de Anastácio Somoza que inclusive matou o líder popular Augusto César Sandino, levando a uma insurreição, não resultado da Guerra Fria, mas fruto de uma luta do povo. Já a Guatemala, por exemplo, também tem conseqüências muito mais profundas, que se pode compreender melhor quando lembramos que somente em 1996 as mulheres passam a votar naquele país e os indígenas (65% da população) passam a ter documentos.
Em 1984, com a Declaração de Cartagena (Colômbia), a partir da reflexão sobre os conflitos, surgem elementos novos, como um novo conceito de refugiado, abarcando a violência generalizada, invasão estrangeira e conflito interno com razões de refúgio.
Hoje, vinte anos após a declaração, é o momento de se abrir as fronteiras. O problema da Colômbia não é exclusivo de Uribe e dos colombianos, mas de todos os que devem buscar uma solução negociada que salve vidas. O problema da Colômbia é tão sério que uma afro-colombiana foi assassinada em Janeiro de 2004 simplesmente por ter participado da reunião do ACNUR na Costa Rica.
O Brasil pode ajudar muito, tem hoje um processo democrático que está caminhando e algo interessante, as mesmas pessoas que estavam no Conare no governo anterior (Governo FHC) seguem estando no governo que hoje comanda o País (Governo Lula). Isso é muito animador, pois nos indica que refúgio, no Brasil, é tratado como tema de Estado e não tema de Governo.
O Dia Mundial do Refugiado, tema central deste evento, é comemorado e não celebrado. Nada há a festejar, por isso dizemos que não o celebramos, mas é, sim, uma relembrança de que existem refugiados no mundo e de que imensas são as suas dores, existindo inclusive povos inteiros que não tem pátria, como os palestinos ou os curdos. O direito humanitário é o caminho para a institucionalização da solidariedade, para o reconhecimento de que a humanidade é um só povo.
A proximidade do dilema do refugiado
No segundo painel da manhã, um dos momentos mais marcantes do seminário foi protagonizado pelo depoimento de uma refugiada colombiana, C.K.P.C., que emocionou o auditório ao narrar sua trajetória. Segue um resumo específico deste belo momento:
“Sou colombiana, tenho 19 anos. Estou no Brasil desde novembro do ano passado. Vivia em Bogotá, com minha família e cursava engenharia de Sistemas na Universidade Piloto. Desde os 9 anos, dediquei-me também a praticar patinação de velocidade. Já fui campeã distrital, nacional e panamericana. Como vocês sabem, meu País se encontra numa situação de guerra interna que ocorre há muitos anos, e, por causa disto, muitas famílias, como a minha, foram obrigadas a deixá-lo, sob ameaça de perseguição e morte. Sair foi para nós o único jeito de salvar nossa vida.
Em meu caso, minha história foi a seguinte: nós recebemos uma carta de um dos grupos que se encontram agora em conflito. Nesta carta, pediam nossa contribuição financeira para sustentar o grupo. Diziam também que se não nos apresentássemos ou contribuíssemos com a luta, seríamos classificados como pertencentes a um grupo contrário e já estaríamos marcados para morrer.
Para tratar desta contribuição, meu pai tinha que se apresentar a eles, num determinado lugar. Em muitos casos, nesta entrevistas, seqüestram as pessoas, para pedir mais dinheiro à família, ou, em outros casos, as pessoas acabam não voltando mais para casa. Nós, então, com muito medo, tomamos a decisão de que meu pai não se apresentaria.
Assim, por não haver comparecido, meu pai e a família, fomos acusados, como sempre acontece, de pertencermos a outro grupo. Logo depois, começaram telefonar ameaçando de morte e de seqüestro, inclusive, dando informações sobre minha vida, minha rotina, meus locais de estudo e de esporte, particularmente a patinação. Davam a entender que a qualquer momento podiam pegar-me se não cedêssemos às suas condições.
Devido a estas ameaças, meu pai decidiu esconder-nos, toda a família, na casa de um amigo. Já estávamos apavorados. Inicia uma paranóia. Ao sair à rua, olhávamos por todo o lado. Eu já não andava mais sozinha, tive que deixar de freqüentar a faculdade e meu esporte, a patinação.
Meu pai fez todas as diligências possíveis, por exemplo: falar com a Polícia, prestar declarações, pedir proteção. Mas, como são muitas as pessoas nestas condições, não conseguem dar proteção.
Não sobrava mais alternativa, pois o medo era muito grande e já não podíamos continuar daquele jeito, vivendo escondidos e ameaçados. Tomamos a difícil e triste decisão de deixar o País. Foi muito duro. Mas, estávamos no limite para salvar nossas vidas. Pegamos as poucas roupas que tínhamos na casa do amigo, tomamos um avião de carga porque ali se pode embarcar escondido. Fomos até Letícia, de lá tomamos um navio até Manaus. De lá outro até Belém. E, de Belém, um ônibus até Brasília. Foram 10 dias de viagem.
O sofrimento fica muito maior durante a viagem, quando a gente sabe apenas que está viajando, mas à deriva, para um futuro incerto. Passam pela cabeça pensamentos de saudade, de desespero, de medo, de dúvidas. Não se sabe para onde está indo, nem como vai sobreviver.
Depois, assim que chegados em Brasília, começamos a sentir nossa solidão, isolamento, insegurança. E o choque de cultura: idioma, comunicação, falar com a Polícia, pedir ajuda, encontrar casa, e, acima de tudo, como sobreviver, como conseguir nossa manutenção. Meu pai, ante o desespero de que nada acontecia e o dinheiro que tínhamos havia terminado, saiu procurando ajuda.
A um certo ponto, eu comecei a me revoltar. Não conseguia aceitar a situação. Reclamava com meu pai porque havia decidido de vir embora. Não conseguia entender e aceitar a situação. Minha morte foi deixar os estudos e a patinação, à qual eu havia dedicado 10 anos de minha vida e já me preparava para conseguir participar do campeonato mundial. Ali estavam todos meus sonhos, expectativas, realizações, futuro. Mas, de um momento para outro, perdi tudo.
Meu pai pediu refúgio e ficou esperando a decisão. A angústia ficou maior ainda porque pensávamos: que vamos fazer se não nos dão o refúgio.
Novembro e dezembro foram meses terríveis. Passamos fome, dormíamos no chão, não tínhamos cobertas, faltava tudo. Depois, meu pai conseguiu um trabalho em gesso, mas não lhe pagaram todo o trabalho. Faziam trabalhar o dia todo, pesado, e pagavam o que queriam, muito pouco. Depois, através de um amigo meu, conseguiu pintar casas. Mas, ganhava pouco e logo terminou também isto. Finalmente, CONARE nos mandou procurar a Ir. Rosita. Ali, começou a mudar. Disse que iria cuidar do trâmite de nosso processo e logo buscaria a ajuda de Caritas e ACNUR. Mesmo antes de decisão do processo, começamos a receber uma ajuda mensal que vem do ACNUR. Além da ajuda, o mais importante para nós, foi sentir que não estávamos mais sozinhos e que contávamos com alguém para ajudar-nos e apoiar-nos. Isto foi muito importante.
Em fevereiro, recebemos a decisão do CONARE. Foi positiva. Ali, respiramos mais aliviados. Agora, era mãos à obra para sobrevier. Um dos pontos difíceis de nossa vida aqui foi a adaptação. Ante meu desespero por não ter o que fazer, não saber português e não encontrar pessoas ou equipes no campo da patinação, falei com a Ir. Rosita e o pessoal do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH). Logo me apoiaram, me acompanharam e conseguiram que eu iniciasse a fazer um curso de português aqui na UNB, que continuo até hoje.
Também fui ao parque da cidade patinar. Ali comecei a encontrar pessoas que queriam aprender a patinar e tomei a decisão de oferecer-me para treiná-las. Com isto fui formando uma pequena equipe de patinação, que hoje já tem uns 15 a 20 participantes.
Meu pai chegou um momento que ficou desesperado. O custo de vida aqui é muito alto. A ajuda que recebíamos dava para o aluguel e um pouco de comida. Meu pai não conseguia arrumar um trabalho regular. A língua e não conhecer pessoas, não ter amigos, dificultava muito.
Nós nunca fomos acostumados a depender. Sempre trabalhamos e tínhamos nossas condições de vida bem sustentadas. Por isso, no início, nos primeiros meses, não pedimos a suficiente colaboração. Depois, num momento de total desânimo e também fraqueza física (meu pai emagreceu muito por falta de comida e por preocupação), recorre à Ir. Rosita e ao pessoal do Instituto. Não suportando mais o peso que tinha, desafoga todos os sentimentos e pede ajuda. Queria trabalhar, queira ganhar a vida como sempre fez. As pessoas do IMDH começaram a procurar trabalho. Houve muitas tentativas, mas a sorte não caminhava conosco.
Já em maio, nós queríamos ir embora do Brasil. Decidimos, com todo o desespero, correr o risco de esconder-nos na Colômbia ou ir ilegalmente para a Venezuela. Conversarmos com as pessoas que nos orientavam, ali no IMDH e com o Dr. Luis, do ACNUR. Fomos aconselhados a não fazer isto, pois perderíamos a condição de refugiados e corríamos risco de vida. A maior angústia do refugiado é não poder voltar para “casa”.
Mais uma vez, o pessoal do Instituto, finalmente, conseguiu um emprego para meu pai, que começou a trabalhar há uma semana. Ele está muito contente, gosta do trabalho, está fazendo o que ele realmente sabe e gosta da fazer, que é instrutor de belas artes com jovens em conflito com a lei.
Como família agora já há uma tranqüilidade não só econômica, mas também espiritual e emocional. O ambiente entre nós mudou muito. Estamos felizes.
Eu, pessoalmente, tenho meus novos (que são também antigos) sonhos: 1) fomentar e formar uma equipe profissional de patinação; 2) conseguir ingressar na UNB para poder continuar meus estudos em Ciência da Informática. Não havendo transferência para este curso na UNB, estou inscrita e vou tentar o vestibular agora nos dias 26 e 27 deste mês”.
A acolhida do Brasil
O secretário executivo do Ministério da Justiça e presidente do CONARE, Luis Paulo Barreto Teles, partiu da emoção estabelecida no depoimento anterior para conduzir uma reflexão sobre a necessidade de se acolher os refugiados e da importância disso para um mínimo de respeito aos direitos humanos.
Dessa exposição motivadora, o secretário passou a uma análise de como essa acolhida foi recebida jurídica e politicamente pelo Brasil. Fazendo perguntas simples à plenária (nome, raça, religião, etc.), o painelista confirmou que pessoas hoje são perseguidas simplesmente por responder a perguntas como o nome, a nacionalidade, a raça ou a religião. O refúgio não pode ser algo distante. Mesmo que o Brasil não tenha este problema, vez que aqui não há perseguidos específicos, são no mundo mais de 17 milhões de refugiados.
Se pensamos na história do nosso País, há 30 anos, um limite temporal bastante pequeno, havia refugiados brasileiros pelo mundo afora. Isso mostra a proximidade do tema.
O refugiado não é resultado simplesmente de guerras, mas também quando o Estado o persegue ou mesmo quando este Estado não o protege. O refúgio faz parte dos pilares da democracia, que vai além do direito a votar, mas inclui os direitos humanos, as garantias individuais, o estado de direito, o devido processo legal e, também, o refúgio, como proteção àqueles que não são protegidos.
O Brasil pauta um novo marco, nesse aspecto, com a lei 9.474, de 1997, uma lei avançada porque não foi feita em gabinete, mas pactuada com a ONU (ACNUR) e a sociedade civil (em especial, a Cáritas São Paulo, Cáritas Rio de Janeiro e CSEM/IMDH, em Brasília), ampliando o conceito de refugiado, incluindo também a pessoa vítima de violação grave e generalizada de direitos humanos. Na mesma lei, criou-se o CONARE, do qual participam Governo e sociedade civil, como membros e o ACNUR como observador com direito a voz.
A lei indica rumos importantes para o trabalho e a assistência ao refugiado, inclusive em relação a sua saúde mental, além da proteção jurídica e social e a acolhida e integração necessárias. A partir da Lei 9474/97, o Conare emanou Resolução permitindo que, após 6 anos do reconhecimento do refúgio, o refugiado pode requerer o visto permanente, caso este tenha se integrado na sociedade brasileira e queira optar definitivamente pela residência no Brasil.
O Brasil abriga hoje 3.120 refugiados de 52 diferentes nacionalidades, vindos, principalmente, de Angola, Colômbia, Afeganistão, Serra Leoa, Libéria, Cuba e outros. E recebe-os seguindo de certo modo o que já faz parte de sua história de acolhida ao estrangeiro, fazendo disso um patrimônio, inserindo-se, assim, no cenário internacional como um país com dignidade.
A globalização é muito contraditória, dize-se muitas vezes que o que foi globalizado, realmente, foi o Muro de Berlim, ampliando a área de incluídos e erguendo barreiras aos excluídos. É o mundo da Internet e da fome: a solidariedade e os direitos humanos não estão globalizados. Mas, podemos dizer que há algo em construção, e citou, especificamente, o Mercosul, onde o Brasil, ratificando o Acordo sobre Livre Residência para os nacionais dos Países do grupo, aponta uma proposta de globalização humana.
Por fim, após a apresentação do vídeo oficial do ACNUR e do Ministério da Justiça sobre o processo de reassentamento no país, o seminário seguiu com reflexões novamente voltadas às relações internacionais e suas implicações no direito dos refugiados.
A proteção internacional da pessoa humana, lembrou Renato Zerbini, diretor do Diretor do Centro de Proteção Internacional de Direitos Humanos, configura o direito internacional público em suas três vertentes: o Direito Humanitário, o Direito dos Refugiados e Direito Internacional dos Direitos Humanos.
O desafio internacional do refúgio terminou por institucionalizar o tema pelos organismos internacionais. O conceito de refugiado, como violação aos direitos civis e políticos, ampliou-se para a violação aos direitos econômicos, sociais e culturais. Contudo, lamentavelmente, a violência econômica ainda não entra no conceito de refugiado.
O conceito de refugiado diferencia-se do conceito de asilo porque o último é direito do Estado, uma manifestação de soberania, que o Governo de um País concede a quem quiser concedê-lo. O refúgio, por outro lado, é um direito da pessoa perseguida, que o Estado deve reconhecer e conceder-lhe proteção.
Hoje, globaliza-se o econômico, mas não os indivíduos, afirmou o professor da UnB, Sombra Saraiva. A fragilidade atual das relações internacionais e a relativização das normas de direito internacional indicam isso. Hoje, vemos o enfraquecimento das instituições multilaterais, repensando o papel das Nações Unidas e do próprio ACNUR.
O ACNUR propõe, em relação aos refugiados, três possíveis soluções consideradas duradouras: a repatriação (que deve ser sempre voluntária), a integração local ou o reassentamento. A fragilidade do direito internacional humanitário enfraquece todas essas disposições, a guerra ao terror, pela primeira vez invocando o art. 5º. do Tratado do Atlântico Norte, agravou tal enfraquecimento. Sendo o início de uma fragilização galopante do direito internacional.
A sensibilidade e a transcendência na acolhida ao refugiado
O encerramento do primeiro dia foi uma reflexão profunda, ampla e transcendente, realizada pelo frade dominicano Frei Betto que, durante a ditadura militar, ajudou muitos refugiados políticos a fugir do Brasil e hoje, além de escritor reconhecido, é assessor especial do Presidente da República.
Partindo de sua tradição religiosa, Frei Betto começou lembrando que o próprio Jesus foi também refugiado, no Egito. Já no Antigo Testamento, resguarda-se o direito do refugiado. O perseguido que tocasse o chifre do altar ou que se abrigasse junto a esse, teria o direito ao asilo respeitado. Não seria morto. Teria o direito de defender-se. O não-hebreu, também tinha tal direito, no caso.
Jesus consegue ir além da Judéia, como revela no diálogo com a Samaritana, marcando o início da globalização, com a idéia de uma religião além da nacionalidade ou etnia. Jesus pensou isso, mas quem realizou foi Paulo, inclusive com o embate entre ele e Pedro, em Gálatas.
Até 1914, não existia passaporte ou documento específico para a migração internacional. O mundo, na teoria, era de todos. Após a primeira guerra, inicia-se um profundo processo de burocratização do trânsito entre países. Inclusive com governos coniventes perseguindo pessoas, como ocorreu na operação Condor na América Latina, após 1969.
Marx, infelizmente hoje fora de moda, dizia que estamos na pré-história da civilização humana. Isso nos faz entender que a Carta dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, mesmo sendo burguesa é um avanço. Hoje, ainda existe escravidão, tortura e muitas coisas às quais vamos nos acostumando e acabamos incorporando-as ao nosso dia a dia. Por isso a importância da Carta dos Direitos Humanos (ONU 1948).
Nas relações internacionais, vivemos um caminhar após o fim da guerra fria, enterrada em 11 de setembro de 2001, quando qualquer multipolarismo cedeu lugar a uma globo-colonização, cujos maiores representantes são as multinacionais.
Temos no mundo uma hegemonia militar, econômica e cultural, sem equilíbrio e, por isso, sem preocupação com o desenvolvimento humano. Sem inimigos ou disputas, nem o mínimo se faz mais. Hoje, 80% da produção industrial do mundo é absorvida por 20% da população e, chegamos ao limite de 4 cidadãos dos Estados Unidos terem uma fortuna maior do que 600 milhões de pessoas. O estrago é maior quando percebermos que se gasta no mundo US$ 956 bilhões em armas (sendo 47% nos EUA), ou seja, duas vezes o PIB brasileiro.
Hoje, 8 milhões de crianças por ano morrem de fome, e somente 3.000 pessoas morreram no WTC. Porque o WTC causa tanta comoção e morte das crianças não? A resposta é cínica: a fome faz distinção de classes e o terrorismo, não.
O fanatismo se configura no direito de impor suas convicções ao próximo, gerando uma indignação com a diferença, uma intolerância bruta. Esse fanatismo, quando caminha para uma visão religiosa, assume status de revelação divina (“Eu falo em nome de Deus”) atingindo níveis extremos.
O 11 de setembro foi fruto desse fanatismo. Foi um grito desesperado contra o padrão ocidental, um não à mercantilização que o ocidente quer impor. É o terrorismo individual como resposta ao terrorismo de Estado, gerando o que Dom Hélder Câmara chamava de espiral de violência, cuja única conclusão é a barbárie.
O mundo deve caminhar para paz e para a tolerância, e uma das saídas principais é a educação ética. O sistema de segregação hoje é sutil, mas não existe neutralidade, ou se educa para a tolerância, ou se educará, inevitavelmente, para a discriminação.
A ecologia também é uma saída importante. A biologia destruindo o conceito de raça e provando que somos geneticamente iguais, não só entre nós, mas com uma incrível semelhança a todos os seres. Não existe, assim, numa visão ecológica de mundo, uma distinção de classe.
As tradições religiosas, em suas intuições iniciais, também oferecem respostas. Não me refiro à institucionalização delas, mas aos exemplos fundantes de enorme tolerância e compaixão, de perdão e justiça e do amor como projeto político.
Qual a ética do refúgio ou do asilo? É a ética do acolhimento e do cuidado, típica do ser humano, que precisa de 10 anos de cuidado, pelo menos, para sobreviver. O ACNUR é, em si, um mal necessário, devido às nossas falhas, pois o acolhimento deveria ser natural à nossa espécie. Temos que olhar o outro e perceber suas necessidades, como na parábola do Bom Samaritano.
A ética deve se transformar em uma questão política, a fim de ganhar a agenda contemporânea, gerando o espaço da gratuidade e transformando as relações humanas.
22 de junho de 2004
O segundo dia do Seminário foi dedicado a um público majoritariamente voltado à causa das migrações e a quem o evento buscou envolver na temática dos refugiados, objetivando a sensibilização das instituições pela causa e conseqüente participação na ação, acolhida e integração de refugiados no Brasil. A proposta visa constituir uma rede de acolhida a refugiados, integrando os serviços já existentes e aproximando novos parceiros da sociedade civil nesta causa.
As razões da nossa luta
Iniciou-se o segundo dia com uma mística, relembrando as motivações subjetivas e espirituais de estarmos militando na acolhida e ação junto aos refugiados. Com fotos de crianças refugiadas e textos motivadores da Bíblia, de Pablo Neruda, Sebastião Salgado, da tradição budista, todos cantaram a música do movimento pacifista Mir (Paz, em russo). Ao som da voz uníssona pedindo que “acabem as fronteiras”, foram iniciados os trabalhos, com o reavivamento de nossas esperanças de luta.
O dia caminhou na mesma vertente da Paz, com uma exposição do teólogo Roberto Marinucci, do CSEM, sobre as razões éticas e religiosas da acolhida ao refugiado.
O refúgio não faz distinções religiosas, disse Roberto, todas as religiões geram no mundo refugiados. É importante ressaltar que grandes lideranças religiosas de diferentes confissões foram refugiadas. Assim foi com Jesus, com o próprio povo de Israel, com Maomé (refugia-se em Medina) e, mais contemporaneamente, o Dalai Lama.
As religiões são muito contraditórias. Ao mesmo tempo em que são vítimas do refúgio também provocam perseguições e geram refugiados. Em 1492, na conquista da América, por exemplo, foram expulsos da Espanha milhares de judeus. E isso é só um exemplo de uma múltipla contradição. Ante isso, pergunta-se: as religiões podem contribuir na luta pelos direitos humanos ou estarão fadadas a serem sempre ambivalentes?
Para Roberto, existem sim alguns elementos religiosos que podem contribuir com a luta dos direitos humanos, é o que afirmou citando o teólogo Hans Küng, “Só haverá paz no mundo, se houver paz entre as religiões. E só haverá paz entre as religiões, se entre elas houver diálogo”.
Existe um Ethos comum em todas as religiões que fundamenta a luta dos refugiados. É a chamada regra de ouro, que Confúcio exprime como “o que tu mesmo não queres, não faça a outrem”. A mesma idéia com formulações diferentes aparece no judaísmo, no cristianismo, no budismo e em outras religiões, que é a idéia da reciprocidade nas relações humanas. Em algumas religiões, chega-se inclusive à radicalização dessa idéia, expressa na radicalidade do mártir, que dá a vida pelo outro.
Nas religiões abraâmicas (cristianismo, judaísmo e islamismo), parte-se da criação da humanidade, em que somos imagem e semelhança do Deus. Assim, se Deus criou todos e todas, temos a mesma dignidade, sem discriminações. A humanidade é uma grande família, gerando assim as primeiras concepções de cidadania universal, em que as relações humanas são norteadas pela fraternidade.
Algo expresso em todas as religiões, contudo mais firme nas religiões orientais, no aspecto da não-violência, é a sacralidade da vida. Tal princípio é fundamental na acolhida aos refugiados, em que se não for acolhido, será morto, e nós, seremos assassinos por omissão. Santo Ambrósio de Milão descreve com radicalidade, embora esquecido com o tempo, o pecado da omissão “Se você tem mais que o necessário e uma pessoa morre de fome, você a matou”.
Outra concepção interessante é a chamada opção pelos pobres, que se traduz em cuidar daqueles que mais sofrem. É a mesma idéia da compaixão (de sofrer junto), como viveu Jesus Cristo e como vive Dalai Lama.
Marx via a religião como uma alienação, como um descompromisso com a realidade, o que, por muitas vezes, existiu na história. Devemos assim recuperar a noção do presente nas religiões para superar tais limitações, e recuperar o presente é perceber que o Reino de Deus está também aqui e agora, conforme ensinou Jesus Cristo.
O próprio Conselho Mundial de Igrejas trabalha com refugiados, pessoas perseguidas por questões religiosas, políticas e outras causas. Alertando para o mero assistencialismo, o Conselho também indica que ajudar os refugiados ou os pobres sem querer mudar as condições que os fazem existir, é pura hipocrisia. É importante a assistência ao refugiado, mas é necessário combater as causas do refúgio, quer sejam as guerras, quer sejam as perseguições.
Um último aspecto, mencionado por Marinucci, de apoio e motivações religiosas para a acolhida a refugiados são os testemunhos de conversão à luta pela vida, como Gandhi, Martin Luther King, Dom Hélder Câmara, Dom Oscar Romero, Madre Teresa de Calcutá ou mesmo Dalai Lama. Pelas razões últimas de sua razão de ser e por estes nomes, as religiões têm o dever de lutar pelos direitos humanos.
Além ou independente de motivações religiosas, há razões éticas que fundamentam a acolhida aos refugiados. Estas podem ser traduzidas na afirmação de que “eu, enquanto ser humano, tenho o dever de ajudar outro ser humano, para que eu mesmo não me desumanize”. Ou seja, para que eu mesmo não perca o sentimento humano básico da simpatia. Somos incapazes de suportar a dor do outro passivamente, recuamos instintivamente perante a desgraça alheia.
Leonardo Boff nos ensina que a presença do ser humano é uma proposta que gera sempre uma resposta, que pode ser ética ou não-ética. Dar uma resposta ética é assumir os interesses do outro até mesmo quando não coincidem com os meus.
O marco teórico jurídico
Uma outra sensibilidade do seminário foi um esclarecimento jurídico e institucional, entre migrante e refugiado e entre a acolhida de refugiados e reassentamento. Ficou a cargo do ACNUR, representado por Wellington Carneiro, e do CPIDH, representado por Renato Zerbini, esta informação.
Entre refugiado e migrante forçado, o aspecto fundamental diferenciador é a de que uma perseguição, seja religiosa, de raça, nacionalidade ou de outra natureza, gera um refugiado, enquanto uma violação econômica gera um migrante. Mas deve-se perceber que isto poderá ser contrário à indivisibilidade dos direitos humanos, que querem uma só proteção, política, jurídica e econômica. A legislação é universal, a pessoa humana não é dividida.
Na verdade são tipos de proteções diferentes, sem abrir mão de nenhuma, somente categoriza-se as migrações forçadas diferentemente das “expulsões” provocadas pela perseguição ou violação grave e generalizada de direitos humanos.
A proteção dada pela Convenção 1951 (Convenção de Genebra) aos refugiados traria como primeiro compromisso o da “não devolução”, isto é, um solicitante de refúgio ou um refugiado jamais pode ser devolvido ao país onde sua vida corre perigo. Nisto distingue-se, também um migrante de um refugiado, porquanto aquele, teoricamente, ainda que sujeito à miserabilidade e à fome, pode regressar ao seu País. A justificação do refúgio em si já gera a proibição de serem regressados aos países de origem, por serem eles grupos sociais perseguidos, cuja vida está em perigo.
O reassentamento é a solução buscada pelo ACNUR, com a colaboração dos Governos e da sociedade civil, para realocar pessoas ou grupos de refugiados cuja vida corre perigo também no País de primeiro asilo.
Ainda no âmbito da acolhida a refugiados, João Paulo Santos, do IMDH, analisou as razões jurídicas que a demandam. Já não são somente motivações de ordem moral, religiosa, ou ética, mas também pressupostos jurídicos tanto no plano internacional quanto no ordenamento jurídico interno do Brasil, que geram exigibilidade de acolhida a refugiados. Segundo Roberto Lyra Filho, o direito é a liberdade acumulada de um povo. Assim sendo, as razões jurídicas vão indicar que, além de uma motivação e uma necessidade, a acolhida a migrantes e a refugiados, no Brasil, é uma obrigação do Estado e da sociedade civil, prevista no bojo de nosso ordenamento jurídico.
Esta obrigatoriedade foi definida, ao longo do tempo, em dois marcos. A Constituição Federal em 1988 e a lei 9.474 , em 1997.
A Constituição de 1988, feita por brasileiros que já haviam vivido a situação de refugiados políticos, insere o instituto do asilo no cerne de sua estruturação política. O Art. 5º, LII, indica a proibição da extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.A proteção ao refugiado inicia-se já nos princípios das relações internacionais brasileiras, no art. 4º, onde se insere o Asilo (X) e a prevalência dos direitos humanos (II).
Já o art. 5º, parágrafo 2º, insere a idéia de que os acordos internacionais entram em nosso ordenamento, quando versarem sobre direitos humanos, como paraconstitucionais, ou seja, o Art. 14 da Carta da ONU de 1948, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos ou o Protocolo de 1967 tem o mesmo status em nosso direito que qualquer artigo da Constituição.
Em 1997, inauguramos um novo marco em nosso ordenamento jurídico em que a proteção aos direitos humanos, o espírito de Cartagena, é incorporado em uma lei específica de refugiados, – Lei 9474/97 – ampliando o conceito para inserir as vítimas de violação generalizada de direitos humanos (art. 1º), e onde se completa a idéia de proteção, assistência e integração.
A Lei de Refugiados foi uma conquista do ACNUR e dos movimentos sociais brasileiros, liderados pelo Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, com a contribuição e apoio permanente de Caritas e de inúmeras entidades do País.
No âmbito desta reflexão, propugna-se, também, por uma nova lei de migrações. O Brasil possui uma das melhores leis de refugiados do mundo e, podemos dizer, uma das mais superadas leis de estrangeiros vigentes. A Lei 6.815/80, com princípios militares anteriores à Constituição de 1988, não mais responde à historicidade jurídica do país. Por isso, já se avança na proposta de uma nova lei de estrangeiros e, pouco a pouco, um novo marco vai se construindo, para regular a questão migratória.
Articular uma rede
As conclusões do Seminário começaram a se firmar no sentido de constituir uma rede em favor da causa e na acolhida a refugiados. Com uma exposição de Luis Varese, do ACNUR, sobre como funciona um sistema de acolhida a refugiados, em seus três níveis: o primeiro se refere a uma super-estrutura, que enlaça a área governamental em geral. O segundo, operativo, engloba parceiros que trabalham com o ACNUR e implementam o projeto. E um terceiro nível tem a ver com fronteiras e retrata o primeiro contato com o refugiado e sua identificação, podendo envolver, por exemplo, polícia de fronteiras, polícia federal ou mesmo um sindicato de estivadores ou portuários. Alerta-se que este terceiro nível deve se preocupar também com a proteção específica das mulheres que, na chegada, correm sérios riscos de abusos sexuais, de humilhações, de exploração.
Em grupos, os e as participantes refletiram sobre os temas e apresentaram propostas para a continuidade e ampliação de ações em favor da causa e junto aos refugiados.
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Proposições
Entre as várias propostas, foram essenciais as que seguiram, ainda como motivações para o trabalho cotidiano, sem o caráter formalmente deliberativo ou conclusivo. Dividindo-as em proteção ao refugiado, sensibilização e necessidade de articulação, assim foram as propostas:
Proteção
- Socializar a Lei do Refugiado no Brasil, tornando-a mais conhecida. Elaborar material (Vídeo, artigos, folders) de divulgação informando sobre a Lei e sobre o conceito de refugiado. No caso de vídeo, não expor pessoas que estão vivendo a situação de refúgio, mas buscar brasileiros que, em período ditatorial, foram refugiados políticos.
- Urgir uma nova lei de estrangeiros, que contemple, com mais proteção e dignidade, os migrantes econômicos que, muitas vezes, por falta de outro amparo legal, buscam acolhida na Lei 9.474/97, confundindo os institutos de proteção ao migrante e ao refugiado.
- Articular projetos claros e ações políticas concretas, voltadas à acolhida e integração de refugiados, especialmente no que tange à moradia e a inserção no mercado de trabalho.
- Capacitar os agentes que trabalham na acolhida a refugiados no conhecimento da realidade, das questões jurídicas e das razões humanitárias que devem alimentar a causa.
Sensiblização:
- Trabalhar nas escolas com a questão da solidariedade humana a ser globalizada, como também a ética, a tolerância e o estudo de culturas e povos diferentes.
- Convidar a equipe do ACNUR para exposições e sensibilização em universidades.
- Incluir no meio acadêmico debates acerca do tema, em especial em áreas pouco difundidas, como os departamentos de serviço social, sociologia e direito. Ir além da discussão da proteção jurídica, pautando debates sobre a assistência e a integração do refugiado.
- Realizar seminários e conferências para sensibilização da sociedade civil, em especial de organizações governamentais e não-governamentais. Fazer parcerias com a Comissão de Direitos Humanos e com a Comissão de Justiça e Paz.
- Sensibilizar a sociedade civil para que ajude na acolhida ao refugiado, com parcerias na assistência e na integração.
- Relembrar da realidade brasileira e de seus líderes já refugiados, como José Dirceu, Fernando Henrique, Gilberto Gil, Lauro Mohry, Ademar Sato e tantos outros.
Integração
- Trabalhar a acolhida nas comunidades. Promover a integração, incentivando a articulação de uma rede e aproveitando também as estruturas e experiência da pastoral do migrante.
- Combater o preconceito ao refugiado, trabalhando a compreensão do tema nas bases.
- Ampliar a rede de proteção social com os refugiados, em aspectos como saúde, moradia, aprendizado da língua e trabalho.
- Criar uma relação de entidades que trabalham com refugiados e especificar a função de cada uma nessa acolhida.
- Promover a adesão do próprio refugiado como multiplicador e articulador das pastorais e das redes de ajuda.
- Incentivar a criação de centros de acolhida que facilitem o abrigo de refugiados e migrantes indocumentados.
- Utilizar expressões que retratem acolhida e integração, como “novos brasileiros”, “novos amigos” no lugar de “refugiados”.
- Realizar visitas à Polícia Federal para conhecer a existência de refugiados na região.
- Conhecer a realidade social, política e econômica dos países, em especial os mais próximos, para melhor compreender as necessidades e a problemática que enfrentam os refugiados.
Por fim, todos avaliaram de forma positiva o seminário, tanto como esclarecimentos para a militância quanto motivações para ela. Em uma conclusão mínima, a construção de uma pátria sem fronteiras que acolha aqueles que havendo perdido tudo, desejam preservar sua própria vida e, com dignidade, recomeçar, ficou um pouco mais próxima de nossa concepção de país e da sociedade civil organizada.
“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores
se não houver flores, valeu a sombra das folhas
se não houver frutos, nem flores, nem folhas,
valeu a intenção da semente”
Brasília-DF, 30 de junho de 2004