Migrações, esperanças e desencontros

Emigrar: palavra cujo significado é de fácil apreensão por praticamente todos os indivíduos falantes da língua Portuguesa. A primeira definição do Aurélio é bastante simples: “Deixar um país para ir estabelecer-se em outro”. Mas quando saímos da esfera lingüística e deixamos de lado a perfeição dos conceitos para mergulharmos no mundo real daquele que emigra, parece que “fácil” ou “simples” são dos adjetivos mais impróprios a serem atribuídos a tal fenômeno.

 

Fábio Augusto G. Maciel

Setembro/2001

Emigrar: palavra cujo significado é de fácil apreensão por praticamente todos os indivíduos falantes da língua Portuguesa. A primeira definição do Aurélio é bastante simples: “Deixar um país para ir estabelecer-se em outro”. Mas quando saímos da esfera lingüística e deixamos de lado a perfeição dos conceitos para mergulharmos no mundo real daquele que emigra, parece que “fácil” ou “simples” são dos adjetivos mais impróprios a serem atribuídos a tal fenômeno.

A situação do emigrante costuma já ser dramática antes mesmo de sua partida. Depois de viver durante anos cercado de problemas financeiros e de diversas dificuldades, o indivíduo toma a decisão que parece ser a sua última alternativa para escapar do tenebroso prognóstico da miséria e escolhe abandonar a sua terra natal, onde estão suas raízes, para buscar melhores condições em terras estrangeiras. Na maioria dos casos, não é com entusiasmo que toma a resolução. Afinal de contas, vai deixar para trás os seus amigos, a sua língua, o seu time de futebol e todas as demais circunstâncias que o fazem sentir-se genuinamente “em casa”, as poucas alegrias que somente lhe são asseguradas quando está em solo pátrio.

Para outros, o quadro ainda é mais desolador: abalados por perseguições dentro de seu próprio país, pensam em (ou são mesmo obrigados a) fugir para encontrar, se não a felicidade, pelo menos um alívio para sua situação. Fazem, assim, uma espécie de escolha entre duas espécies de desconforto, e optam por aquele que lhes permitirá uma infelicidade mais amena.

Desafios se lhes antepõem: o primeiro deles, a transposição da fronteira e a chegada ao destino sãos e salvos. Este, talvez, o maior desafio a vencer no caso dos emigrantes mexicanos que se arriscam constantemente na travessia da fronteira com os Estados Unidos: a violência da patrulha norte-americana (responsável por 1.185 mortes nos últimos quatro anos) ou o inóspito Deserto de Sonora, onde muitos sucumbem às impiedosas condições climáticas, ou ainda a pesada taxa cobrada pelos coyotes – US$ 2.500,00 por pessoa – ainda parecem-lhes preferíveis à penúria em que se encontram em sua terra natal.

Para os cubanos, a questão é sobreviver à travessia do trecho de mar entre a ilha de Fidel e a Flórida, muitas vezes percorrido em precárias embarcações superlotadas ou mesmo a nado. Da mesma maneira se arriscaram, recentemente, 910 imigrantes curdos ilegais que desembarcaram na Riviera em fevereiro deste ano, fugidos das perseguições de seus países no norte da África.

 Mas os desafios não param: uma vez transposta a fronteira, resta vencer a difícil adaptação a uma cultura com língua diversa, costumes diferentes e problemas de desemprego semelhantes – embora mais amenos, na maioria das vezes. A solidão, então, se transforma em um algoz nestes primeiros dias, abatendo o imigrante com pequenos mas doloridos golpes que se fazem sentir a cada instante: na procura de um endereço provisório ou de uma primeira forma de manutenção, no tropeço das palavras do novo idioma ao pedir uma informação urgente, e no olhar de repreensão xenófoba dos nativos.

Esta, a xenofobia, costuma ser, aliás, o grande vilão da história. Não obstante as discussões sobre temas como as razões econômicas da imigração, os problemas com a documentação, a adaptação cultural etc. dominarem os debates sobre migrações em qualquer esfera, a última e mais difícil barreira que o imigrante tem de transpor é a do sentimento de exclusão. Os imigrantes são vistos com maus olhos nos países onde chegam, como uma perturbação à ordem econômica e social, mesmo quando os estudos mostram os benefícios que os mesmo trazem à economia local. Enquanto medidas concretas podem ser tomadas para resolver a curto prazo as questões, digamos, de cunho mais material, as sutis alfinetadas da exclusão por preconceito já não se mensuram tão facilmente: se escondem por trás de supostas “formalidades” de tratamento ou em risos que se ouvem pelas costas, por cima do ombro, em novos “amigos” que repentinamente não dão mais notícias após a revelação do país de origem, e assim por diante. São armas como essas, silenciosas e quase invisíveis, que tornam a xenofobia um problema praticamente impossível de se combater e com o qual o imigrante precisa conviver diariamente a duras penas.

Para vermos uma reversão deste quadro, resta esperarmos que a famigerada globalização – esta tão festejada idéia dos últimos tempos – também possa contribuir para que o sentimento de globalidade se justaponha ao patriotismo pequeno que gera conflitos, promove uma falsa idéia de auto-suficiência, desola e machuca aqueles mais dispostos a mostrarem ao mundo que ainda estão vivos, que são alguém e ainda produzem riquezas. Neste cenário de incompreensão em que vive o imigrante, mais do que nunca é preciso buscar as luzes de mentes sábias e iluminadas, as verdadeiras conhecedoras dos benefícios trazidos ao ser humano pela convivência com os irmãos de terras diversas e distantes, para concluirmos, com Saint-Exupéry: “Em minha civilização, aquele que é diferente de mim não me empobrece: enriquece-me.”