Migrações forçadas e crises humanitárias

O conceito de Cartagena se torna estratégico numa época em que a natureza dos conflitos armados vem mudando rapidamente, quando ocorrem conflitos cada vez mais anárquicos ou para afirmar uma identidade de grupo.

 

Luis Varese

Representante do ACNUR no Brasil

2005

O conceito de Cartagena se torna estratégico numa época em que a natureza dos conflitos armados vem mudando rapidamente, quando ocorrem conflitos cada vez mais anárquicos ou para afirmar uma identidade de grupo. O mais trágico das novas faces da guerra são os níveis de violência e, sobretudo, a violência contra a população civil. A afirmação da violência sexual como arma de guerra, que sempre existiu, porém, que atualmente foi elevada a categoria de tática militar, para desmoralizar e estabelecer o controle social. Já não primam os conflitos entre estados, que podem ser obrigados e responsabilizados internacionalmente, primam conflitos de grupos armados que freqüentemente recorrem à violência generalizada e aos crimes atrozes para afirmar seu poder ou controle local. Com o enfraquecimento dos estados nacionais muitos conflitos vem marcado pela identidade de grupo como na ex-Iugoslávia, ou na África principalmente a partir do genocídio de Ruanda. Nestes conflitos o “outro”, seja quem for é inimigo e conseqüentemente alvo militar. Durante a primeira guerra mundial, apesar de sua extensão e tragicidade as vitimas civis foram 5%, sendo o restante combatentes. Nos conflitos dos anos 90 por volta de somente 10% das vitimas são combatentes sendo a esmagadora maioria das vitimas civis inocentes.

 

Elementos da crise humanitária na Colômbia.

Outrossim, é importante notar que também no conflito colombiano ocorre o mesmo fenômeno ainda que não exista identidade étnico-linguística, mas sim o messianismo político, portanto aquele que não colabora é automaticamente, informante colaborador ou infiltrado, gerando ataques generalizados à população civil, extorsões massivas, assassinatos e massacres de todo tipo. Nos conflitos onde primam os agentes não estatais os recursos para manter a guerra vem da exploração da própria população civil, gerando uma espécie de vinculação forçada ao conflito, o cultivo forçado de coca ou o pagamento dos impostos de guerra, a famosa “vacuna”[1], transformando o domínio sobre as pessoas e recursos de uma região, o chamado controle social no principal objetivo militar. As conseqüências são catastróficas, existem por volta de 11 mil combatentes infantis[2], de 3 a 4 milhões de deslocados internos[3] e por volta de 250 mil colombianos nos paises limítrofes, milhares de seqüestrados, assassinatos seletivos e escravas sexuais[4].

 

O caráter da guerra demonstra que o espírito de Cartagena não só continua vigente, mas vem se tornando imprescindível na proteção internacional já que cada vez mais os refugiados não são importantes intelectuais opositores de regimes autoritários, ou membros de grupos étnicos discriminados por estados chauvinistas, mas pessoas comuns, trabalhadores, jovens e mulheres que são envolvidos involuntariamente em conflitos armados onde os seres humanos se transformaram no principal recurso de guerra.



[1] Informe del Alta Comisionada para los derechos humanos sobre la situación de los DDHH en Colombia E/CN.4/2000/11, par. 25.

[2] Comisión Colombiana de Juristas, balance del año 2003.

[3] Primer informe conjunto de la procuradoria general de la nación y la defensoria del pueblo sobre cumplimiento de la sentencia T-25 de 2004.

[4] Informe de Codhes (Consultoría para los derechos humanos y el desplazamiento) Bogotá, 08 Julio 2004.