Acostumamos a ver a globalização como algo impessoal, determinado pelas forças econômicas e tecnológicas e, muitas vezes, fora de nosso controle. Mas este fenômeno tem uma face humana, que se reflete diariamente em milhões de pessoas que deixaram sua terra natal em busca de oportunidades: a migração internacional.
Por Luiz Inácio Lula da Silva
(Leia abaixo artigo publicado no jornal argentino La Nación)
Acostumamos a ver a globalização como algo impessoal, determinado pelas forças econômicas e tecnológicas e, muitas vezes, fora de nosso controle. Mas este fenômeno tem uma face humana, que se reflete diariamente em milhões de pessoas que deixaram sua terra natal em busca de oportunidades: a migração internacional.
A magnitude dos fluxos migratórios se expressa em números que impressionam. Nos países de destino, os imigrantes contribuem de forma significativa ao crescimento econômico. Segundo o Banco Mundial, contribuem com aproximadamente três trilhões de dólares, ou seja, uma média de 7% do Produto Interno Bruto dos países desenvolvidos.
Os migrantes também são essenciais para a sustentabilidade do sistema de previdência social e do dinamismo econômico em sociedades envelhecidas.
Os países em vias de desenvolvimento se beneficiam com este movimento de pessoas. Remessas financeiras de 180 bilhões de dólares por ano favorecem diretamente a milhões de familiares nos países de origem dos migrantes. Estes recursos têm um poderoso efeito macroeconômico que representa, muitas vezes, um ingresso superior aos investimentos diretos estrangeiros e à ajuda oficial para o desenvolvimento.
Para alguns países mais pobres, estas transferências constituem hoje a principal fonte de divisas estrangeiras e alcançam em alguns casos 25% do PIB, o que tem ajudado no esforço destes países a cumprir com as Metas de Desenvolvimento do Milênio.
A migração é, portanto, um fenômeno global que beneficia a todos os países, tanto os de origem como os de destino.
Sabemos, não obstante, que as causas principais desta migração são as desigualdades entre as nações e a falta de oportunidades nos países em vias de desenvolvimento. Como a própria globalização, as migrações internacionais são um fenômeno complexo e controverso, que gera efeitos às vezes contraditórios.
Por isto, é importante o tratamento integrado de suas múltiplas dimensões: promoção e proteção dos direitos humanos e do trabalho de todos os migrantes, responsabilidade compartilhada entre os países de origem, trânsito e destino, tratamento das causas das migrações, em suas vertentes econômica, social e política.
A globalização derruba barreiras e preconceitos, mas também pode atiçá-los.
Nosso principal objetivo deve ser promover o respeito dos direitos humanos e do trabalho dos migrantes, independentemente de estarem ou não documentados. Temos o desafio coletivo de assegurar a implementação das leis e compromissos internacionais que protegem os direitos fundamentais dos migrantes.
Questionamos noções simplistas que estimulam o retorno em massa de migrantes irregulares e rechaçamos medidas unilaterais que apontam a restringir a imigração.
Cremos que um processo de liberalização comercial equilibrado, que atenda aos interesses dos países mais pobres, tenderá, por si mesmo, a atenuar o fenômeno da migração por motivos econômicos e sociais. É por isso que o Brasil, junto com seus sócios do G-20, tem defendido a abertura do setor agrícola dos países ricos e a eliminação de seus subsídios e apoios internos que distorcem o comércio internacional.
Não deixa de ser contraditório, por outro lado, que os mesmos países que defendem a liberalização da maioria dos setores de serviços sejam os que aumentem as restrições do movimento dos trabalhadores migrantes, que prestam uma mão de obra indispensável nos países de destino.
Estou convencido de que a Declaração de Salamanca, que adotamos em 2005, durante a XV Cúpula Ibero-Americana, sinaliza o caminho a seguir.
Temos o desafio de propor políticas públicas de migração e desenvolvimento inspiradas em nossa história de intercâmbio de idéias e mestiçagem de culturas. Nesta tradição de tolerância, encontramos um campo fértil para buscar respostas criativas e, sobretudo, humanas ao impacto do deslocamento massivo de pessoas.
A experiência pioneira que o Brasil vem desenvolvendo com os brasileiros de origem nisei, no Japão, pode servir de modelo. O programa oferece serviços, cursos e identificação de oportunidades de negócios para que estes migrantes se capacitem e possam abrir micro e pequenas empresas competitivas quando retornem ao Brasil.
Estamos dando respostas a um dos principais desafios da migração: a tendência dos países desenvolvidos de privilegiar cada vez mais trabalhadores qualificados, com o objetivo de deslocar força de trabalho ativa e bem formada dos países em vias de desenvolvimento, onde são tão necessários.
Mais além, com o objetivo de aumentar os efeitos positivos da migração para os países de origem, meu governo vem desenvolvendo um programa para facilitar e baratear o envio de remessas para familiares. Mais de 80% das transferências são feitas a um custo quase zero, por canais oficiais e contabilizados, com a vantagem adicional de favorecer a inclusão de cidadãos no sistema bancário.
Estas são algumas das idéias e propostas que o Brasil defendeu no Diálogo de Alto Nível sobre Migração e Desenvolvimento, em Nova Iorque, em setembro. Queremos construir associações e compartilhar as melhores práticas. A institucionalização de um fórum de diálogo seria uma importante contribuição para que, também no campo da migração internacional, caminhássemos em direção a um governo verdadeiramente global.
Por meio de uma política consistente e clara para as migrações internacionais, temos a oportunidade de demonstrar nosso compromisso com outro tipo de globalização, centrado na pessoa humana e na solidariedade.
A luta pela justiça no trato dos migrantes é parte da luta por uma ordem internacional mais justa e por um desenvolvimento sustentável e equilibrado para todos.
Luiz Inácio Lula da Silva é presidente do Brasil