Em recente artigo, Ir. Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH, apresenta dados atualizados sobre os migrantes e refugiados, bem como as ações do IMDH durante este tempo de pandemia. Estima-se que haja no mundo cerca de 272 milhões de pessoas consideradas migrantes internacionais. O Brasil tem um dos menores índices de migrantes internacionais do mundo.
Confira o artigo na íntegra:
Segundo o Relatório de Tendências Globais 2019(1) lançado pelo ACNUR às vésperas do Dia Mundial do Refugiado (20 de junho), estima-se que haja no mundo cerca de 272 milhões pessoas consideradas migrantes internacionais. Destas, cerca de 79,5 milhões foram forçadas a deixarem suas casas para fugir da violência, perseguições, violações de direitos humanos ou ainda situações de graves distúrbios na ordem pública local.
Dentre o panorama global dos deslocamentos forçados, existem cerca de 26 milhões de refugiados reconhecidos; 4,2 milhões solicitantes de refúgio, aguardando a decisão de seus pedidos e 45,7 milhões de pessoas deslocadas internamente, ou seja, que foram forçadas a saírem de suas residências ou comunidades de origem, porém não cruzaram as fronteiras nacionais do seu próprio país.
No Brasil, a migração internacional não deve nos assustar ou representar desafios que o País não consegue atender devidamente. Não há motivo para preocupações exageradas e muito menos, para rejeitar ou dificultar o atendimento àquelas pessoas que chegam em busca de uma oportunidade de vida e de subsistência. Senão vejamos:
Os migrantes internacionais no Brasil são aproximadamente 1 milhão e meio. Este contingente representa menos 1% da população do país(2), embora a percepção da população brasileira sobre o tema seja superestimada. Somos um país com um dos menores índices de migrantes internacionais do mundo.
Quanto a refugiados, há aproximadamente 43.000 pessoas reconhecidas pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE). Dentre estas, aproximadamente 38 mil são venezuelanos(3).
1. O Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH
O Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) é uma instituição sem fins lucrativos, de caráter filantrópico, vinculada à Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas. Dedica-se à assistência e integração de migrantes, solicitantes de refúgio, refugiados e apátridas, em parceria com ACNUR, OIM, ONU Mulheres e em articulação com várias organizações da sociedade civil.
Além da sede na capital federal, o IMDH mantém um escritório em Boa Vista/Roraima (IMDH Solidário), voltado ao atendimento de mulheres e crianças venezuelanas, com ações que se estendem também ao município fronteiriço de Pacaraima. A instituição atua em cinco eixos principais:
– Socioassistencial;
– Proteção e documentação;
– Educacional e cultural;
– Inserção econômico-laboral;
– Incidência por políticas públicas.
No ano de 2019 o IMDH atendeu, a partir de sua sede em Brasília, 2.465 pessoas migrantes ou refugiadas, e em Roraima 6.340 pessoas foram diretamente beneficiadas pelo IMDH Solidário.
Em âmbito nacional, desde 2004 o Instituto articula a Rede Solidária para Migrantes e Refugiados (RedeMiR), que reúne cerca de 65 instituições da sociedade civil de todas as regiões do Brasil.
Na preparação para a Semana do Migrante e Dia Mundial do Refugiado deste ano de 2020, foi realizada uma sondagem junto a 40 representantes destas organizações, cujo objetivo foi identificar as necessidades mais urgentes que os migrantes têm apresentado e para as quais buscam apoio neste período de pandemia da COVID-19. Em ordem de maior incidência, as respostas foram:
2. Reflexões… Tema da Semana do Migrante e Dia Mundial dos Refugiados – 2020
Em 2020, celebramos a Semana do Migrante e o Dia Mundial dos Refugiados entre os dias 14 e 21 de junho. A Semana do Migrante é uma iniciativa que decorre da primeira campanha Fraternidade sobre migrações, promovida pela CNBB, extensiva a toda a sociedade brasileira, realizada em 1980, com o lema “Para onde vais? ”. O objetivo era de promover uma mudança na mentalidade da população sobre a intensificação da mobilidade humana, sobretudo, as migrações internas naquele período. A partir desta campanha surgiram outras iniciativas, como a Pastoral do Migrante e em 1985 a criação do Serviço Pastoral do Migrante.
O tema da 35º Semana do Migrante foi Migração e Acolhida e o lema, a citação bíblica: “Onde está teu irmão, tua irmã? ” (Cf. Gen 4,9). Esta pergunta, aparentemente simples é, na verdade, muito provocadora. Ela nos reporta à família humana, à verdadeira fraternidade, onde somos todos irmãos e irmãs.
A proposta está em sintonia com os diversos atores que se mobilizam e somam esforços para atuar na causa das migrações no país, buscando promover a Acolhida, Proteção, Promoção e Integração (Papa Francisco). O conjunto destas ações, para referir os quatro verbos (acolher, proteger, promover e integrar) representam um plano bastante completo na tratativa aos migrantes e refugiados, mas, não devemos ignorar a existência de limitações, omissões, falhas e neste processo, as quais nos interpelam e esperam por respostas.
3. Mobilidade humana e COVID-19
Muitas preocupações nos acometem neste cenário atual. Uma comunidade internacional dividida, incapaz de alcançar a paz, apresenta grandes indícios de que o próximo ano será tão difícil quanto 2020, senão mais difícil e com grandes desafios.
O Secretário Geral das Nações Unidas sinaliza sobre a situação dos refugiados neste momento de tantas dificuldades, as quais atingem principalmente as populações mais vulneráveis. António Guterres fez um apelo global para combater o discurso de rejeição difundido paralelamente à propagação da COVID-19(4). Sabemos o quanto a pandemia desencadeou solidariedade, generosidade, doação, serviços…, mas, por outro lado, como apela Guterres, não podemos fechar os olhos às manifestações de indiferença, à falta de sensibilidade, à xenofobia, a culpabilização dos migrantes e refugiados pela disseminação do vírus, ou ainda acreditar que determinados grupos humanos podem ser “dispensáveis” para a sociedade, como os idosos, por exemplo.
Como expressou Guterres: “grande conclusão é a de enorme fragilidade do nosso mundo, das nossas sociedades, do planeta. Trata-se de um vírus microscópico e esse vírus pôs-nos de joelhos”(5).
4. Apelo especial: atenção às mulheres e crianças
Durante o combate à pandemia de COVID-19, os governos não devem esquecer que as vulnerabilidades a que estão expostas as mulheres e crianças foram altamente acentuadas pela crise. Segundo as Nações Unidas(6), globalmente, as mulheres são desproporcionalmente afetadas pelas consequências da pandemia, tanto por conta do aumento da violência doméstica, devido ao isolamento social, como pelo fato de ser maioria entre trabalhadores informais e de saúde.
Mundialmente, milhões de crianças não estão indo às escolas devido ás medidas de isolamento, assim, milhões de crianças em situações de pobreza estão sem a merenda escolar. A desnutrição infantil é uma preocupação vital e um problema latente em muitos países, situação que mesmo antes da pandemia encontrava-se em níveis inaceitáveis. Outra preocupação é em relação a muitas crianças, confinadas em casa, serem ao mesmo tempo vítimas e testemunhas de abusos e violência doméstica. As escolas, neste sentido, funcionam como um mecanismo de alerta para esses acontecimentos, o fato de estarem fechadas dificulta ainda mais a identificação destas violações.
Garantir os direitos de mulheres e crianças é essencial para superar a pandemia, portanto é necessário aumentar nossos esforços e cobrar políticas alternativas que garantam os direitos humanos dos grupos mais vulneráveis.
Considerações finais
É urgente que agora cuidemos daqueles e daquelas que têm fome de comida e de dignidade, daqueles que não têm emprego, não têm trabalho e lutam para não definhar, para não esmorecer, pois querem, como todos e todas nós, sustentar-se, viver, avançar, reconstruir seu caminho, afetado por questões que eles não lhes deram causa. E busquemos realizar isto de maneira concreta, real, efetiva. Não se trata de assistencialismo, mas de efetiva assistência em seu genuíno sentido para que se garantam direitos, em um momento crítico, para todos e todas, mas particularmente para aqueles e aquelas que vivem em situação de alta vulnerabilidade, que estão em nosso país justamente em busca de vida e vida com dignidade.
Brasília, 01 de julho de 2020
Ir. Rosita Milesi
Diretora do IMDH
Notas:
1. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2020/06/18/relatorio-global-do-acnur-revela-deslocamento-forcado-de-1-da humanidade/#:~:text=O%20relat%C3%B3rio%20anual%20do%20ACNUR,precedentes%2C%20jamais%20verificado%20pelo%20ACNUR.
2. Disponível em: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/wmr_2020.pdf.
3. Disponível em: https://nacoesunidas.org/acnur-e-parceiros-promovem-agenda-nacional-para-celebrar-dia-mundial-do-refugiado-no-brasil/.
4. Pronunciamento dia 8 de maio de 2020.
5. Entrevista disponível em: https://pt.euronews.com/2020/06/09/este-virus-pos-nos-de-joelhos.
6. Disponível em: https://nacoesunidas.org/mulheres-e-meninas-devem-estar-no-centro-dos-esforcos-de-resposta-a-covid-19/.
Foto: Arquivo Campanha ACNUR