Entre os dias 26 e 28 de agosto de 2021, as colaboradoras do IMDH Adriana Santos, Secretária de Diretoria, vinculada ao escritório de Brasília (DF), e Luyandria Maia, Assistente de Proteção, atuante no Escritório do IMDH Solidário em Boa Vista (RR), realizamos uma visita e missão de apoio ao Projeto Angel Gabriel, em Pacaraima (RR).
A cidade de Pacaraima está no limite fronteiriço com a Venezuela. Além dos diversos desafios historicamente observáveis no Arco Norte da fronteira brasileira, Pacaraima está no epicentro do fluxo migratório de refugiados e migrantes venezuelanos para o Brasil, por ser sua principal porta de entrada em nosso País.
A falta de estrutura institucional e política para saúde, educação, assistência social e outros serviços essenciais em Pacaraima intensificam a situação de vulnerabilidade destas milhares de pessoas que fogem da grave e generalizada violação de direitos humanos no país vizinho. Grande parte deste fluxo migratório é composto por mulheres e crianças, consideradas grupo com necessidades especiais de proteção devido às diversas situações de violação de direitos a que estão expostas ao longo do processo migratório.
A migração forçada coloca em situação de risco alimentar milhares de adultos e crianças, e a pandemia de COVID-19 elevou a insegurança alimentar a níveis ainda mais alarmantes. Em Pacaraima esta situação é evidente e necessita de ações emergenciais e imediatas dos diversos atores envolvidos na reposta humanitária dentro e fora da Operação Acolhida, na busca de minimizar os riscos e vulnerabilidades, especialmente de fome e desnutrição.
A realidade identificada pela equipe do IMDH durante a Missão, foi de centenas ou até mesmo milhares de migrantes em situação de rua, dentre eles muitas mulheres e crianças. A grande maioria aguarda há semanas uma senha para atendimento no Posto de Interiorização e Triagem da Operação Acolhida (PITRIG). O limite de atendimentos que o PITRIG está realizando e a capacidade do abrigo de transição disponibilizado pela Operação não são compatíveis com o grande volume de demanda. Em consequência, centenas de pessoas vivendo na rua.
Muitas famílias venezuelanas em Pacaraima e em Boa vista vivem em ocupações espontâneas. Segundo relatório do ACNUR a grande maioria destas ocupações não possui acesso à rede de esgoto ou água encanada. Os moradores conseguem suprir minimamente esta falta mendigando um balde de água nas casas próximas, ou em riachos e canos mais distantes em área aberta. Em outros locais, a utilização do banheiro se dá por meio de latrina ou a céu aberto, sem lugar específico. Esta realidade reflete as principais dificuldades enfrentadas pela população refugiada e migrante ao chegar no Brasil, a falta de acesso à alimentação, saneamento básico, trabalho e moradia.
Projeto Angel Gabriel nas ocupações
Durante a Missão, visitamos, com o apoio da Ir. Ana Maria, missionária da congregação das Irmãs de São José de Chambéry, que apoia o IMDH no Projeto Angel Gabriel, duas ocupações espontâneas: Vila Esperança, localizada em uma área de risco de deslizamentos e enchentes onde residem mais de 45 famílias venezuelanas; e a ocupação Orquídeas, um pouco mais antiga, onde foram erguidos 50 barracos, majoritariamente de lona, plástico e outros materiais doados pela população local. Nesta segunda ocupação há energia elétrica regularizada, mas em ambas ainda existem diversos problemas de saneamento básico (falta de água e esgoto).
Diante desta conjuntura, cabe ressaltar a importância da atuação de organizações da sociedade civil em ações que visem o acolhimento e proteção dos migrantes e refugiados em situação de altíssima vulnerabilidade em Pacaraima. Dentre elas destaca-se a Casa São José. Segundo Ir. Ana Maria, responsável pela casa, atualmente são acolhidas na instituição 163 mulheres e crianças, as quais não conseguiram vagas no abrigo da Operação Acolhida e ficariam em situação de rua. As pessoas abrigadas recebem alimentação, pernoite e outros apoios emergenciais.
A Casa São José é parceira do IMDH na implementação do Projeto Angel Gabriel, o qual objetiva propiciar a crianças migrantes e refugiadas, particularmente na idade entre 6 meses e 3 anos, itens de nutrição e higiene, bem como orientar as mães sobre os cuidados necessários a fim de suprir parte da necessidade alimentar e reduzir os riscos de desnutrição ou falta de asseio das crianças. Em Pacaraima os kits são entregues a mulheres que não estão abrigadas na Casa São José, isto é, para mães com crianças que estão vivendo na rua ou em ocupações sub-humanas. Em Pacaraima, são beneficiadas 100 famílias por mês, sendo que cada uma recebe quinzenalmente o kit Angel Gabriel.
Outra ação que merece ser destacada e que tivemos a oportunidade de visitar é a coordenada por Pe. Jesus de Bobadilla. Diariamente, a paróquia de Pacaraima oferece o café da manhã a mais de 1.000 refugiados e migrantes, a grande maioria venezuelanos, que cruzam a fronteira e, por não conseguirem seguir viagem para Boa Vista, nem acolhida no PITRIG, estão em situação de rua ou em extrema vulnerabilidade nas ocupações.
As situações de discriminação e exclusão sofrida pelos venezuelanos impactaram-nos. O coração fica apertado e percebemos o clamor daquela população. Ao mesmo tempo, pudemos presenciar em muitos momentos da missão, a solidariedade seja de conterrâneos que migraram há mais tempo, seja dos agentes sociais que mencionei neste relato, seja também de brasileiras e brasileiros oferecendo comida e água aos que necessitam.
Estas ações, para as quais o IMDH tem a satisfação de contribuir, assim como outras que entidades diversas promovem, nos ensinam que a resposta humanitária depende, para além das obrigações do Estado de garantir e proteger os direitos humanos, das pequenas partilhas e atitudes de muitos e de cada um e cada uma, reconhecendo o migrante e o refugiado enquanto sujeitos de direitos assim em igualdade de condições com os brasileiros e brasileiras.
Por Adriana Santos e Luyandria Maia
Brasília (DF) e Boa Vista(RR), 31 de agosto de 2021.