Política de atendimento humanizado aos imigrantes

Falar de “política de atendimento humanizado”, tendo em vista uma nova Lei das Migrações que supere a atual, e que não se preocupe apenas com a Razão de Estado, a Soberania e Segurança Nacional ou a mera racionalidade econômica, pressupõe colocar o foco.

 

Introdução

Rosita Milesi

Roberto Marinucci

Falar de “política de atendimento humanizado”, tendo em vista uma nova Lei das Migrações que supere a atual, e que não se preocupe apenas com a Razão de Estado, a Soberania e Segurança Nacional ou a mera racionalidade econômica, pressupõe colocar o foco na pessoa do migrante. E isso nas três palavras: “política”, “atendimento”, “humanizado”.

Quando falamos em “política” pensamos numa ação concertada, envolvendo projetos que sejam elaborados, planejados, executados e avaliados no interior do diálogo entre diversos parceiros sociais – governamentais e não governamentais, nacionais e internacionais com atuação na área. São organismos com diferentes estatutos políticos, como os governos nas diferentes instâncias, o poder legislativo e judiciário, os aparelhos de segurança (Forças Armadas, Polícia Federal, etc), e as diversas ONGs e instituições da sociedade civil que se preocupam com o migrante. Nesse particular, sendo o foco da política o migrante, essa ação comum entre diversos organismos, entendemos que terá verdadeira legitimidade se abrir espaço para os consulados dos países de origem dos migrantes e, sobretudo, as organizações dos próprios migrantes.

Quando falamos de “atendimento” lembramos toda forma de serviço público, direto ou indireto, que tem por objeto atender as necessidades dos migrantes. Sendo um “não-nacional”, todos nós, agentes públicos ou privados, devemos capacitar-nos, orientar-nos, atualizar-nos na ótica de uma mudança de perspectiva para o atendimento desse outro. Nesse sentido é que os serviços públicos, que tocam de perto todas as esferas de vida do cotidiano dos migrantes, devem ser orientados por um trabalho de “mediação cultural”. A capacidade de diálogo entre quem atende e quem é atendido, uma mútua compreensão dos condicionamentos entre ambas as partes, depende desse trabalho específico a ser incorporado aos procedimentos que regem os serviços colocados à disposição deste público.

Ao falarmos em “humanizado”, entendemos a perspectiva de fundo que deve sustentar tal “política de atendimento”: a alteridade e a subjetividade da pessoa do migrante. Afinal, aqueles e aquelas que neste contexto chamamos de imigrantes ou migrantes em sentido mais amplo, são pessoas com necessidades e carências, com potencialidades, com família e laços de sociabilidade que formaram sua história pessoal, laços que lhe dão uma estrutura moral embasados numa herança cultural. Reconhecer isso no migrante, por trás das diferenças de idioma, de costumes, dos seus traços físicos, de sua pobreza, do estranhamento frente a sua nacionalidade e condição social, é um desafio que a lei deve ajudar a transpor. Na verdade, é uma exigência moral, pois na alteridade e na subjetividade do migrante, reside, propriamente falando, a sua humanidade.

Alguns princípios para um atendimento humanizado a migrantes e refugiados

Um atendimento humanizado é um atendimento que leva em conta as características peculiares dos imigrantes.

1.1. Assinalo a questão da situação imigratória. A “Convenção das Nações Unidas sobre proteção dos trabalhadores migrantes e suas famílias” contempla os direitos dos trabalhadores migrantes regulares e os daqueles em situação irregular. Embora os primeiros tenham um elenco mais amplo de direitos, os em situação irregular não estão excluídos e nem ignorados. Ao contrário são formalmente incluídos na Convenção e tem seus direitos assegurados.

O grave problema dos migrantes em situação irregular é que eles vivem sob o espetro da deportação. São “deportáveis”, como diz De Genova[1]. Essa “deportabilidade” faz com que eles vivam numa situação de extrema vulnerabilidade, por não poder ou ter medo de usufruir de direitos garantidos pelo Estado – pelo risco da deportação – inclusive não podendo denunciar injustiças e abusos que sofrem. Eles são condenados à “invisibilidade”: devem viver escondidos.

Conforme a OIT, “tendo em conta sua precária situação legal no país de acolhida, os trabalhadores migrantes irregulares se prestam facilmente à extorsão e estão indefesos frente à exploração dos empregadores, agentes de imigração, burocratas corrompidos e delinquentes organizados”[2].

Esta situação não representa apenas uma questão problemática para os migrantes, mas também para o Estado e a população brasileira, podendo gerar um “medo” dos “migrantes invisíveis”, como sendo pessoas ligadas à criminalidade, a situações perigosas e ameaçadoras. Na realidade, na grande maioria dos casos trata-se de pessoas que são “irregulares” contra a própria vontade[3], pela rigidez de leis imigratórias, pela dificuldade em cumprir as exigências ou, mais simplesmente, por falta de informação.

Para estes migrantes irregulares, o atendimento é precário, limitado, pois vivem na invisibilidade e, por medo, não interagem com os serviços ou setores públicos e, muitos deles, nem mesmo com organizações não governamentais e entidades sociais e religiosas.

 A solução desta situação não é fácil. No entanto, partindo do pressuposto de que os imigrantes em situação existem no país, é importante evitar que o risco da deportação os impeça de usufruir dos serviços básicos que qualquer ser humano necessita.

1.2. A questão do idioma.[4] Muitos imigrantes chegam ao país sem conhecimento mínimo do português e outras vezes com uma iniciação muito limitada.

Muitos brasileiros inadmitidos nos Estados Unidos ou na União Europeia queixam-se que passaram por entrevistas sem intérpretes ou foram obrigados a assinar documentos numa língua desconhecida para eles. Em seus relatos, esses migrantes interpretam tais fatos como violações de seus diretos.[5]

Trata-se apenas de um exemplo para enfatizar a centralidade do idioma no que diz respeito a um atendimento humanizado, pois falhas na comunicação podem facilmente gerar erros ou equívocos que podem prejudicar os imigrantes.

É evidente que, muitas vezes, é difícil senão impossível garantir a presença de intérpretes para todos os idiomas, mas uma política que visa a defesa dos direitos deveria levar seriamente em conta essa questão. Formulários a serem preenchidos ou assinados, por exemplo, deveriam estar disponíveis pelo menos nos diferentes idiomas de maior uso e, nos principais locais ou centros de atendimento, deveriam estar presentes ou serem localizados com facilidade, intérpretes, bem como nos casos de idiomas menos comuns, pelo menos a possibilidade de entrar em contato telefônico com um intérprete.

1.3. Uma questão de grande importância (já referida aqui neste seminário) refere-se à possibilidade de acesso às informações necessárias sobre a legislação e procedimentos básicos que os imigrantes devem cumprir. Muitos imigrantes, tanto pelo supracitado problema do idioma, quanto por outros problemas concretos, podem ter dificuldade em ter acesso a essas informações. Muitos deles chegam ao país e entram logo em atividades de trabalho, não tendo tempo e, por vezes, nem condições de cumprir as exigências da lei. Dificuldades de deslocamento para os locais de atendimento também podem ser um problema.

Neste caso, também, é evidente que o Estado brasileiro não tem como fazer um atendimento ad personam ou simplesmente justificar violações da lei pela dificuldade de deslocamento ou acesso às informações. Mesmo assim, levando em conta que frequentemente esses são problemas reais e não simples desculpas, um atendimento humanizado significa fazer todo o possível para ir ao encontro dos imigrantes. Por exemplo, poderiam ser elaborados Guias, Manuais ou Panfletos, em vários idiomas, entregues a todos os imigrantes que ingressam de forma regular com informações e indicações de contatos para quaisquer dúvidas.

Um caso específico é representado pelos estrangeiros não admitidos ou detidos. Nestes casos, é fundamental que os imigrantes tenham todas as informações sobre as decisões administrativas e judiciais, inclusive com a possibilidade de contato com a respectiva embaixada e assistência jurídica.

1.4. Outro ponto diz respeito a grupos de pessoas que, em decorrência de diferentes fatores, estão ou podem estar em situação de maior vulnerabilidade ou fragilidade. Um atendimento humanizado implica um cuidado especial para mulheres, sobretudo se grávidas, crianças e adolescentes, ou outras pessoas com necessidades especiais.

Em primeiro lugar, crianças e adolescentes exigem um atendimento específico, sobretudo quando não acompanhados ou em situação irregular e sem documentação. A ONU reconhece que muitas legislações migratórias não levam em conta a situação específica de crianças e adolescentes e a Convenção sobre os Direitos das Crianças. No mínimo, deve-se evitar, de todas as formas, a “internação” de crianças e adolescentes, assim como a deportação quando não acompanhados. Além disso, o atendimento deve levar em conta as problemáticas específicas enquanto imigrantes.

Em relação a crianças e adolescentes, a Convenção da ONU afirma: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primordialmente em conta o interesse superior da criança” (Art. 3.1).

Um olhar específico merece também a mulher que, além das problemáticas típicas da questão imigratória – como a possível situação de estada irregular, a xenofobia, a discriminação étnica e racial – pode sofrer também violações atinentes às relações de gênero. Não são raros abusos físicos ou morais, principalmente porque com frequência as mulheres são mais invisíveis que os homens, trabalhando muitas vezes em residências particulares como domésticas ou cuidadoras de pessoas (idosos, doentes).

Finalmente, é importante chamar a atenção para o atendimento de pessoas com algum tipo de deficiência: nestes casos, igualmente, o atendimento precisa de cuidados específicos.

1.5. Outro aspecto de um atendimento humanizado pressupõe ausência de qualquer tipo de preconceito e discriminação em relação aos migrantes.

O Art. 7º da “Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias” afirma que os signatários da Convenção devem garantir e respeitar os direitos dos migrantes “sem distinção alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convicção, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade, idade, posição econômica, patrimônio, estado civil, nascimento ou de qualquer outra situação”.

O princípio de não discriminação não significa que não se admitam certas especificidades em termos de direitos dos nacionais e dos imigrantes. Mas, como afirma a Anistia Internacional, “el principio de no discriminación implica que toda diferencia de trato impuesta a las personas migrantes ha de ser conforme con el derecho internacional: no debe violar los derechos humanos internacionalmente reconocidos de los migrantes”[6].

Enfim, qualquer tipo de discriminação dos imigrantes, na hora do atendimento, representa uma clara violação de direitos, inclusive em relação a imigrantes indocumentados. Além disso, é sempre fundamental lembrar o princípio da boa fé. O artigo 18 da Convenção da ONU afirma que “o trabalhador migrante ou membro da sua família suspeito ou acusado da prática de um crime presume-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida” (Art. 18). Partir do pressuposto de que a pessoa – no caso o imigrante – esteja mentindo, é uma afronta aos direitos humanos.

Em outros termos, um atendimento humanizado não pode tolerar a discriminação de qualquer tipo em relação a imigrantes. Como afirma A Declaração de Durban, adotada pela Conferência contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância, “[…] la xenofobia contra los no nacionales, en particular los migrantes, los refugiados y los solicitantes de asilo, constituye una de las principales fuentes del racismo contemporáneo […].

1.6. Um atendimento humanizado diz também respeito aos direitos culturais dos imigrantes. Esta é uma questão bastante delicada. Se, por um lado, as diferentes culturas que conformam o tecido social brasileiro nos dão um quadro onde todos tem um lugar ao sol, por outro, pode facilmente ocorrer que esta integração cultural é automática e habitual para todos.

A Convenção da ONU sobre proteção dos trabalhadores migrantes reconhece que “Os Estados Partes asseguram o respeito à identidade cultural dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias e não os impedem de manter os laços culturais com o seu Estado de origem” (Art. 31).

Este princípio, que se refere diretamente ao reconhecimento da liberdade de associação étnica dos migrantes, tem repercussões também em termos de atendimento humanitário. Ainda que seja difícil, senão impossível, para os agentes de atendimento conhecer as culturas dos diferentes migrantes, uma formação à interculturalidade se torna fundamental a fim de levar em conta essa questão. O não conhecimento da cultura dos migrantes ou das questões relativas à interlocução intercultural pode gerar graves erros e equívocos.

Em outros termos, lidar com os estrangeiros implica uma formação específica de acolhida da diferença e do diferente. Trata-se de uma formação que leve em conta a alteridade do estrangeiro não como estorvo ou como negação da identidade nacional brasileira, mas como característica da identidade do outro que interage e pode enriquecer a identidade brasileira.

É fundamental, por parte do agente de atendimento, uma capacidade de acolhida que implica o estabelecimento de relações simétricas, a capacidade de escuta, de orientação e acompanhamento. Em alguns países adquiriu importância a figura do “mediador cultural”, justamente a pessoa cuja finalidade é favorecer a mediação entre imigrantes e pessoas autóctones, com vistas a promover uma relação dialógica e mutuamente enriquecedora entre membros de culturas diferentes. Características do mediador cultural é o conhecimento do idioma e da cultura dos povos em questão, a competência comunicativa, a capacidade de empatia e escuta.[7]

1.7 Um atendimento humanizado supõe que o migrante, além da atenção das entidades sociais, possa tratar a maior parte das questões que lhe dizem respeito, com uma instância voltada à sua vida normal, com suas necessidades como pessoa, como ser humano. O migrante não chega ao Brasil como um ser vinculado a uma situação de segurança nacional ou de criminalidade. Estas questões são específicas e tem um aparato próprio para seu controle e tratamento. Mas, é diferente quando e se queremos falar em atendimento humanizado aos migrantes. Eles vem como seres humanos ou como trabalhadores e todo o contexto familiar correspondente. Daí a necessidade de que a questão migratória no Brasil disponha de instância/estrutura que corresponda a esta dimensão das migrações. Antes de vir, para obter o Visto, ele já passa por um certo controle estatal, depois, ao chegar, e passar pelas fronteiras, este processo de registro e controle é como que completado. Então, porque depois distas etapas ele precisa ficar ligado em todos os seus trâmites habituais, a um órgão que tem outras funções que lhe são próprias e típicas, até sobrecarregando a PF com providências e estruturas que podem perfeitamente ser descentralizadas ou deslocadas a outras instâncias de caráter administrativo .

1.8. Estabelecimento de parcerias. De um ponto de vista concreto, não é possível nem se espera que o poder público atenda todas demandas, estas citadas e outras, em relação aos imigrantes, de forma plena e capilar. Neste sentido, é sempre desejável uma ação de parceria ou colaboração entre setor público e sociedade civil, principalmente, as associações não governamentais, os grupos religiosas dedicados a este tema e as próprias associações de migrantes.

O objetivo dessa colaboração é aumentar a capacidade de ação, de incidência e de realização dos objetivos prefixados em relação aos migrantes. A parceria com organizações sociais e pastorais – entendendo com esta expressão a ação junto a migrantes protagonizada por qualquer denominação religiosa – deve ser realizada no respeito da identidade e do carisma específico de cada uma delas e, ao mesmo tempo, no respeito dos objetivos governamentais e sob adequado acompanhamento.

A ação da sociedade civil junto aos migrantes é importante, antes de tudo, porque permite, frequentemente, um contato direto, informal, simétrico, “olho no olho” com os migrantes. Nessas organizações leigas ou religiosas os imigrantes costumam estar “mais à vontade”, podendo relatar de forma mais livre suas problemáticas, inclusive formas de exploração e abusos. Assim, a colaboração entre público e sociedade civil visa não apenas aprimorar o atendimento humanizado, mas também uma mais correta compreensão do fenômeno imigratório.

Além disso, a sociedade civil pode oferecer aos migrantes um conjunto de serviços importantes, como o apoio solidário, a formação de redes de proteção, espaços de conscientização, de orientação, assistência espiritual e social e muitas oportunidades de integração cultural.

1.    Sugestões e Propostas[8]

Desejo destacar que, na ótica de um trabalho integrado e articulado, considerando que temos no Brasil um leque bastante amplo de entidades atuando em variados âmbitos – social, assistencial, cultural, jurídico, educacional – busquei reunir sugestões vindas de muitos colaboradores, assinalando que tais sugestões foram dadas com vistas ao tema que me foi proposto: atendimento humanizado aos imigrantes.

Sugestões e propostas:

  1. Estabelecer uma legislação (daí a importância deste Seminário e da coleta de todas reflexões e sugestões ) baseada efetivamente no foco dos direitos humanos, que corresponda aos desafios e necessidades da realidade e dinâmica atual das migrações e que possibilite a regularização migratória, em diferentes situações, particularmente sempre que esteja em jogo a proteção dos direitos humanos do indivíduo, do trabalhador migrante, da família, dos grupos vulneráveis e outras circunstâncias … Trata-se de uma condição essencial para reduzir o número de migrantes irregulares, diminuir a vulnerabilidade e permitir ao imigrante sentir-se tratado na perspectiva de um atendimento humanizado.
  2. Criar, estimular e/ou apoiar, através de convênios, casas de acolhida ao imigrante e ao refugiado, considerando a necessidade de atendimento interdisciplinar, principalmente em áreas básicas para uma vida digna, e para que os agentes tenham condições de prestar atendimento integral e orientações, assim como prestar informações sobre os direitos dos migrantes.
  3. Implementar cursos, debates, propostas, sobre direitos e deveres dos migrantes e dos refugiados e sobre as nossas limitações, dificuldades e necessidade de mudanças e de revisão de estruturas frente a esta dinâmica da sociedade e dos povos – dinâmica migratória que marca profundamente o mundo atual – e que este debate seja levado com serenidade a todos os níveis (magistrados, promotores de justiça, delegados e agentes de polícia que trabalham com migrantes, outros agentes de órgãos públicos e organizações sociais). (Recordar o exemplo de atividades conjuntas da Rede).
  4.  Incluir neste debate a educação à interculturalidade, ao respeito do diferente, à acolhida, à orientação e ao acompanhamento dos migrantes, considerando, de forma específica, as problemáticas sociais e psicológicas inerentes à migração.
  5. Garantir que os postos de atendimento ou outras estruturas, até mesmo as empresas onde os migrantes vão trabalhar, forneçam informações e propiciem meios para conscientizar os migrantes em relação a seus direitos e deveres, sobretudo no que diz respeito ao acesso e às questões básicas relativas ao trabalho e aos serviços de saúde e educacional. É fundamental, neste sentido, um conhecimento dos serviços e recursos disponíveis, para uma plena integração dos imigrantes.
  6. Orientar o migrante sobre eventual possibilidade de solicitação de asilo ou refúgio e, caso seja possível, encaminhar os trâmites.
  7. Elaborar guias, manuais, folders – em vários idiomas – a serem entregues a todos os imigrantes que ingressam no país, com informações básicas sobre legislação migratória, com ênfase nos deveres e nos direitos dos imigrantes.
  8. Garantir a presença de intérpretes nos principais postos de atendimento e, nos demais casos ou no caso de idiomas menos comuns, a possibilidade de contatá-los por telefone.
  9. Traduzir em línguas compreensíveis para os migrantes os documentos oficiais que eles devem assinar.
  10. Assegurar particular atenção e prioridade às crianças e adolescentes, em decorrência de sua condição e idade, considerando também que podem ter ingressado no país sem o acompanhamento dos pais ou responsáveis ou ainda porque se encontram em condições de trauma psicológico e emocional.
  11. Adotar mecanismos para favorecer a reunião familiar. É de se imaginar o sofrimento de um pai que está no País e que deixou no país de origem filhos/as menores, esposa, irmãos/ãs doentes, sozinhos.
  12. Priorizar o cuidado aos imigrantes com alguma deficiência ou doença grave, levando em conta suas dificuldades específicas, oferecendo caminhos diferenciados para os trâmites burocráticos e orientações para uma plena integração no território.
  13. Promover um atendimento qualificado a mulheres, levando em conta suas especificidades, necessidades, bem como tentando detectar eventuais formas de violência e exploração por redes de tráfico.
  14. Evitar e, quando ocorre, punir qualquer forma de discriminação e xenofobia nos locais de atendimento de migrantes e também nos serviços disponibilizados, nas escolas, etc.
  15. Assegurar aos imigrantes o acesso aos benefícios sociais básicos e aqui quero me referir ao BPC. Diante de toda esta discussão ouvida neste Seminário, como conviver com uma disposição constante em Decreto e em Instrução do INSS que condiciona o acesso ao BPC à naturalização¿
  16. Promover a formação de “mediadores culturais”, mediante o conhecimento do idioma e da cultura dos povos em questão, a competência comunicativa, a capacidade de empatia e escuta. (Marcia me recordava o papel que podem desenvolver aqui os cursos de antropologia)
  17. Utilizar a rede já existente das entidades da sociedade civil para constituir um banco de voluntários para tradução presencial ou por telefone, internet, para colaborar nos momentos de necessidade de tradução ou de intérpretes; (interessantes algumas parcerias com a PF e organizações sociais que colaboram ajudando os refugiados a preencherem os formulários)
  18. Combater as redes de tráfico de pessoas e de contrabando de migrantes, evitando rigorosamente que o migrante seja criminalizado em função desta migração irregular enganosa e a que é submetido.
  19. Criar mecanismos mediante os quais os imigrantes, documentados ou não, possam denunciar casos de trabalho forçado e outras violências que os exploram (sem que se exponham à deportação)
  20. Aproximar cada vez mais o debate, estudos e pesquisas acadêmicas com a vida e a prática das organizações sociais que atuam com e junto aos migrantes, sobretudo para nos ajudar a revelar a verdadeira face de vida e das condições em que vivem os migrantes, suas necessidades e demandas.
  21. Incentivar a articulação e parcerias entre setores governamentais e entidades sociais, religiosas e de defesa dos direitos humanos, com experiência na questão dos migrantes, a fim de constituir um espaço permanente voltado ao monitoramento das políticas de assistência e proteção dos direitos dos migrantes e refugiados. (Recordar: DEEST na distribuição de materiais, CNIg e MRE na organização de Redes de atendimento, MTE na publicação de Guias e Cartilhas, CONARE/MJ convênio com entidades para a bolsa subsistência dos refugiados).
  22. Pedindo desculpas para uma idéia no sentido de descentralizar ou mesmo deslocar, se não todos, pelo menos em grande parte, os serviços relativos aos imigrantes de modo que sejam prestados por outras instâncias administrativas não necessariamente no âmbito da PF. Grande parte destes trâmites são administrativos e muitos deles com a mesma característica de qualquer procedimento que os brasileiros fazem: renovar documentos, registrar sua permanência, formular pedidos quase corriqueiros, se assim podemos falar. Não se trata de terceirização, mas, sim, de criar estruturas apropriadas para tratar a questão migratória.

Atendimento humanizado supõe a compreensão de que os imigrantes são seres humanos cuja dignidade e direitos decorrem desta condição e não do lugar onde nasceram ou de qual fronteira atravessaram. São humanos, como todos os humanos.



[1] Cf. DE GENOVA, Nicholas. Migrant “illegality” and deportability in everyday life. Annual Review of Anthropology, v. 31, p. 419-447, 2002.

[2] OIT. En busca de un compromiso equitativo para los trabajadores migrantes en la economía globalizada. Ginebra, 2004, n. 195.

[3] Cf. PIGHI, Giorgio. Le migrazioni negate. Clandestinità, rimpatrio, espulsione, trattenimento. Milano: Franco Angeli, 2008.

[4] Cf. ROVIRA, Lourdes. The relationship between language and identity. The use of the home language as a human right of the immigrant. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, ano XVI, n. 31, 2008, p. 63-82.

[5] Cf. MARINUCCI, Roberto. Xenofobia ou “misoxenia”? In: MARINUCCI, Roberto; FARIAS, Yara; SANTIN, Terezinha (orgs.). Trajetórias interrompidas. Cidadãos brasileiros deportados e não admitidos. Brasília: CSEM/IMDH/PBE, 2009, p. 43-68.

[6] ANÍSTIA INTERNACIONAL. Vivir en las sombras. Una introducción a los derechos humanos de las

personas migrantes. España: 2006, p. 20.

[7] Cf. ANDOLFI, Maurizio (org.). La mediazione culturale. Tra l’estraneo e il familiare. Milano: Franco Angeli, 2003.

[8] Sobre boas práticas, sugestões e propostas de Políticas públicas sobre migrações internacionais ver: MILESI, Rosita; AMBROS, Simone. Política Públicas para as Migrações Internacionais. Brasília: ACNUR/IMDH/Dep. Orlando Fantazzini, 2005.