A experiência de 7 meses no Japão

Neste relatório quero, após 7 meses no País do Sol Nascente, conhecendo as comunidades, dando os primeiros passos na língua japonesa e lendo sobre este país e sua cultura, sistematizar as minhas observações, conversas, troca de idéias, sonhos e propostas para o atendimento dos migrantes brasileiros na Diocese de Nagoya, Japão. Sigo pelo método VER-JULGAR-AGIR que ainda me parece o mais adequado instrumento de análise pastoral em vista de um planejamento adequado, testado e re-testado por tanta gente no último meio-século.

 

Pe. José Geeurickx, msc (Padre Zeca)

Neste relatório quero, após 7 meses no País do Sol Nascente, conhecendo as comunidades, dando os primeiros passos na língua japonesa e lendo sobre este país e sua cultura, sistematizar as minhas observações, conversas, troca de idéias, sonhos e propostas para o atendimento dos migrantes brasileiros na Diocese de Nagoya, Japão. Sigo pelo método VER-JULGAR-AGIR que ainda me parece o mais adequado instrumento de análise pastoral em vista de um planejamento adequado, testado e re-testado por tanta gente no último meio-século.

Este relatório é proposto como algo provisório, não definitivo, para ser discutido aqui no Japão e posteriormente também na minha província de Curitiba. São idéias que foram amadurecendo e continuam sendo elaboradas pouco a pouco, foram confrontados com as de muitos companheiros e companheiras engajados na pastoral dos migrantes brasileiros no Japão, aos quais quero demonstrar minha gratidão pela acolhida e pelo carinho que deles recebi. Poderá servir, talvez, também como minha contribuição ao encontro de agentes de pastoral aqui em Nagoya, do qual infelizmente não poderei participar.

I – VER

1.1       Os migrantes brasileiros

a)  Quem são e quantos são ?

Desde que, em 1990, a lei de migração no Japão foi mudada e a vinda de Nikkeis do Brasil com suas famílias, facilitada, a comunidade brasileira não pára de crescer com mais de 10.000 a cada ano, e já supera o número de 280.000. Em um ano, o número de pessoas com passaporte do Brasil aumentou 4,3%, muito mais do que a média do total de estrangeiros[1] (3,1%). Atrás dos Coreanos (607.419) e chineses (487.570), os brasileiros são o terceiro grupo de migrantes.

O número de católicos entre eles não está muito seguro, mas estimava-se (em 2003) que seriam 70.342 ou 53% do total de 132.766 católicos ou 81% dos católicos estrangeiros.[2]

Segundo as últimas estatísticas da Conferência Episcopal do Japão, num total de 1.015.637 católicos no país, 449.925 seriam japoneses e 565.712 estrangeiros. Destes, 235.000 são brasileiros, 152.000 filipinos, 55.600 coreanos, 47.600 peruanos, 11.000 norte-americanos[3]

Segundo o Jornal Nippo-Brasil[4], o total dos brasileiros no Japão já alcança 286.577, e, nas cinco províncias de Aichi-ken (63.335), Gifu-ken (17.596), Fukui-ken (2.644), Ishikawa-ken (1.457) e Toyama-ken (4.331) que formam a Diocese de Nagoya, seriam ao todo 89.363, distribuídos da seguinte maneira:

 

Província

Cidade

Número aproximado[5]

Aichi-ken

Toyota

6201

 

Nagoya

4721

 

Komaki

3748

 

Anjo

2215

 

Hekinan

1640

 

Kariya

1446

 

Toyohashi

11694[6]

 

Outras cidades

31670

Gifu-ken

 

17596[7]

Fukui-ken

 

2644

Ishikawa-ken

 

1457

Toyama-ken

 

4331

TOTAL APROXIMADO

 

89363

 

Nas 50 paróquias da Diocese de Nagoya, os católicos japoneses seriam só 19% da população católica, ou seja ao redor de 25.380 pessoas. Os filipinos formariam o segundo grupo mais numeroso entre os católicos estrangeiros, com 21.536. Os peruanos são 6.659, os coreanos 5.442, os norte-americanos 632 e os de outras nacionalidades 5.487.

A maioria dos que encontrei parece ter vindo dos estados de São Paulo e do Norte do Paraná, embora se encontrem também migrantes do estado do Pará e do Mato Grosso do Sul ou Rondônia. Não achei estatísticas, porém, da proveniência exata. Certo é que, devido às exigências da imigração japonesa, praticamente todos têm ancestrais japoneses que migraram ao Brasil no correr do século passado (a migração japonesa começou em 1908 e ainda continua, embora em números menores), ou casaram-se com nikkeis. Isto explica também em parte a índole própria dos migrantes: são, com raras exceções, como seus ancestrais nipônicos, gente do trabalho duro, pacífica, de pouca conversa e com muita habilidade prática.

Comparados com os migrantes Filipinos, percebe-se uma clara diferença tanto na composição do grupo de migrantes quanto nos trabalhos assumidos: contaram-me que mais de 70% dos Filipinos são mulheres, boa parte delas empregadas como domésticas e/ou como “entertainers”, o que de fato significa que estão trabalhando em boates e bares e, parcialmente também, na prostituição. A maioria destas mulheres teria esposo e filhos no seu país de origem. Isto não é o caso dos brasileiros que, em sua grande maioria, são trabalhadores braçais, que trouxeram suas famílias.

Os motivos da vinda dos migrantes ao Japão são variados, mas quase sempre de ordem econômica[8]: Uma pequena parte ainda remanescente do início da migração (há uns quinze anos), vieram enganados por empresas que contratavam operários no Brasil, iludidos pelo desejo de ganhar dinheiro fácil, mas agora quase todos têm sua situação regularizada com visto permanente[9]. Alguns vieram na época do Plano Collor que havia deixado muitos pequenos empresários sem reservas ao confiscar-lhes a poupança. A maioria, sem estudos superiores, veio em busca de oportunidades de trabalho que não encontraram na pátria. Da parte das firmas japonesas e da própria sociedade japonesa que tem uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo (1,27 por mulher![10]) e uma expectativa de vida muito alta, há realmente uma necessidade de trabalhadores manuais[11].

A maioria dos migrantes que encontrei parece ter conseguido emprego em indústrias automobilísticas ou alimentícias. Um grupo mais reduzido na construção civil ou em indústrias de material de construção.

b)  Suas alegrias, seus sonhos, seus problemas, suas perspectivas.

Eles têm também várias vantagens trabalhando aqui, no Japão: além de um bom salário e a possibilidade de fazerem muitas horas extras para fazer uma boa reserva e mandar dinheiro aos parentes no Brasil, eles têm a oportunidade de conhecer e aprender novas tecnologias das mais avançadas, e também apreciar na prática o uso destes recursos nos carros, aparelhos eletrônicos, computadores, assistência médica, etc. Esta oportunidade certamente não teriam, ficando no Brasil.

Além disso, eles podem conhecer a riquíssima cultura dos seus ancestrais, e aprender a seriedade e disciplina próprias deste povo. Além disso, o Japão tem uma atração própria, pois “simboliza ao mesmo tempo desenvolvimento tecnológico, tradição, cultura, mística e economia. É um país que fascina e amedronta, é o misterioso país do Sol Nascente que guarda segredos insondáveis.[12]

A assistência médica é muito boa no Japão e várias famílias já tiveram a oportunidade de usufruir da mesma; os dois grandes problemas neste campo são, porém, de um lado, a dificuldade da língua, já que são muito poucos os médicos e pessoal de enfermagem que falam português, e, por outro lado, o fato de que muitos brasileiros não estão inscritos na seguridade social, nem pela firma (no kousei nenkin, sistema previdenciário para trabalhadores, onde a firma paga a metade e o trabalhador também, e que inclui o shakai hoken – seguro saúde, que paga quase 90% das despesas médicas), nem por conta própria (no kokumin kenko hoken – Seguro Nacional de Saúde, que reembolsa 70%). Muitos brasileiros acham que a contribuição a ser paga (proporcional ao salário) é muito alta e que não vão precisar, já que “no ano que vem voltam ao Brasil”…

A alegria é grande quando podem encontrar-se com outros conterrâneos, quando se celebra algum evento especial, quando conseguiram o que esperavam e se preparam para voltar definitivamente à pátria.

Quase todos os migrantes afirmam que querem voltar ao Brasil dentro de pouco tempo. Poucos reconhecerão que, de fato, já estão se estabelecendo de modo definitivo na terra dos ancestrais. Indícios de que o fenômeno de dekassegui (trabalhadores temporários) está sendo superado, porém, aparecem sempre mais freqüentemente: quando compram uma casa ou apartamento[13], quando estabelecem uma pequena empresa ou comércio, quando mandam seus filhos para escolas ou universidades japonesas[14], quando jovens se casam com japoneses/as, etc. Esta indefinição é um dos grandes obstáculos para a integração dos filhos na sociedade: são poucos os que sabem até quando poderão estudar aqui, o que os desmotiva e os deixa na insegurança.

Mas, enquanto a alegria de voltar à pátria não chega, a saudade, a preocupação com os parentes (pais, esposas e filhos…) que ficaram no Brasil é forte.

E, quando voltam, muitas vezes percebem que a imagem do Brasil dos sonhos não corresponde à realidade: o emprego que talvez tinham antes de vir, eles perderam; os filhos, principalmente os nascidos no Japão, têm muita dificuldade para se adaptarem; às vezes chegam também a descobrir a infidelidade do parceiro que haviam deixado no Brasil; o padrão de consumo que tinham no Japão é impossível manter…: também voltando para a pátria, eles continuam sendo cidadãos de segunda categoria[15].

Muitas famílias estão se desestruturando, sobretudo entre os casais de origem cultural diferente, em parte pela sobrecarga de trabalho, em parte também pelo fato de ter pouco tempo para estarem juntos, pois os dois trabalham em firmas diferentes e fazem sempre horas extras. Conversando com muitos que se separaram, percebe-se que o matrimônio na igreja, quando foi feita a celebração, de fato nunca existiu, pois lhe faltaram os elementos essenciais da liberdade, abertura para a vida nova e a disposição de se amarem até que a morte os separe. Mas, por vários motivos, é muito difícil encaminhar um processo de declaração de nulidade.

O diálogo entre pais e filhos também se mostra muito mais difícil pelo mesmo motivo e os filhos que estudam nas escolas japonesas têm muitas atividades extracurriculares (também aos domingos). Além disso, as crianças e adolescentes muitas vezes são discriminados e assediados pelos colegas e até pelos professores e pela administração escolar, desanimando-se facilmente e formando uma massa de mais de 4000 jovens adolescentes brasileiros sem rumo que não podem trabalhar oficialmente e nem freqüentam mais a escola. Quando completam 16 anos e vão trabalhar nas fábricas, ganham tanto quanto seus pais e têm autonomia financeira que os leva direto para o consumo de superficialidades. Por outro lado, distanciam-se dos pais pelo fato de falarem constantemente japonês[16].

Para quase todos, um dos grandes problemas é o de encontrarem sua própria identidade: no Brasil, sempre são chamados de “japoneses”, chegando no Japão, fica claro que não são japoneses e, mesmo depois de muitos anos e falando muito bem a língua, eles continuam sendo considerados e tratados como estrangeiros, “gaijin”, e discriminados.

O trabalho é estressante, monótono muitas vezes, e duro, e pouco tempo sobra para ficar com a família, para o lazer ou até para participar da missa nos fins de semana. Nos primeiros tempos, se dizia que os brasileiros vieram para fazer o trabalho dos três “k”: kitanai, kikken, kitsui[17], ou, em português, dos três “p”: porco, pesado, perigoso, trabalhos que os japoneses se negam a fazer por este salário. Embora ainda haja emprego para todos os que vêm, a tendência seria que a mão de obra barata dos brasileiros seja, pouco a pouco, substituída pela dos países asiáticos mais pobres e próximos (como China, Vietnam, Sri lanka, etc.), cujos migrantes são mais submissos e aceitam trabalhar por menos dinheiro nas mesmas funções.

A falta de conhecimento da língua é visto como um dos grandes obstáculos para uma integração mais adequada nesta sociedade tão diferente da brasileira, mas a maioria não parece ter a intenção de estudar mais profundamente a língua, pois o que sabem “dá para o gasto”[18].

Chama a atenção que a maioria também não conhece quase nada da história, da cultura, das origens e do significado dos costumes locais. Só para dar um exemplo: a maioria não conhece nada da história dos 250 anos de cristianismo escondido no Japão, na região de Nagasaki.

Muitos – e principalmente os não-nikkeis – sofrem também do racismo velado e até aberto e da incompreensão dos vizinhos e dos companheiros japoneses nas fábricas que têm uma visão muito limitada dos processos migratórios em ambas direções. Além disso, esta discriminação também se manifesta nas diferenças salariais e na desconfiança por parte da polícia e da população, ainda mais diante de quem não tem traços orientais[19]. Para piorar as injustiças, são muito poucos os advogados que querem defender as causas dos “gaijin” ou que entendem português.

Discriminação também existe entre os gêneros: mulheres japonesas ganham 64% do que ganham os homens pelo mesmo serviço; mulheres brasileiras ganham mais ou menos o mesmo das mulheres japonesas, mas isto representa 75% dos nikkeijin masculinos.[20]

A discriminação social também tem sua origem na dinâmica do grupo japonês, que constantemente faz referência ao “dentro/fora” dos grupos formados, sistema no qual o brasileiro dificilmente se insere. Até os próprios parentes que ficaram no Japão tratam mal seus primos e sobrinhos brasileiros, não só por causa da sua cultura brasileira, mas também porque seus pais haviam “abandonado o Japão” décadas atrás para achar um futuro melhor além-mar, voltando agora como migrantes empobrecidos.[21]

c) Sua organização

É claro que um grupo considerável de migrantes estrangeiros numa sociedade desconfiada e fechada como a japonesa necessita de organização para poder afirmar-se, mas esta até agora ainda está muito limitada: além das comunidades eclesiais, agora já há escolas brasileiras reconhecidas pelos dois governos, uma rede de comércio de “produtos brasileiros” nas cidades de maior presença brasileira, alguns restaurantes, discotecas e bares próprios, vídeolocadoras, agências bancárias, de viagens e de mudanças, alguns grupos de empresários, grupos de capoeira ou pequenos clubes esportivos, ou rodas de samba, mas não tenho notícias de algum diretório de partido, associação cultural, etc. Devo admitir que os contatos que tive até agora foram bastante limitados e é possível que haja muito mais do que conheço.

1   A diocese de Nagoya

a)  O Bispo:

Dom Agostinho é japonês e, neste período, presidente da Conferência Episcopal, o que já indica o seu prestígio no episcopado japonês. Tendo a missão de guiar a diocese com proporcionalmente o maior número de migrantes no Japão, ele se preocupa em favorecer o crescimento de uma “igreja multicultural”. Por isso, faz questão de presidir as “missas internacionais” que em duas ocasiões por ano se celebram na diocese e de crismar também os jovens e adultos migrantes, se possível na própria língua dos mesmos. Infelizmente, seu conhecimento de outros idiomas e das culturas de origem dos migrantes é bastante limitado e isto limita sem dúvida o desenvolvimento deste sonho de uma igreja multicultural. Contaram-me que ele não estaria muito a favor de acolher sacerdotes diocesanos estrangeiros que já teriam causado alguns problemas na diocese, e que prefere religiosos. Além disso, está sob pressão do seu clero para não mudar nada.

b) os agentes de pastoral nas paróquias

A maioria dos párocos, que têm uma autoridade muito maior para decidir tudo o que diz respeito à sua paróquia, dentro do sistema hierárquico japonês, são japoneses. São poucos os que fizeram um esforço para aprender português, espanhol ou tagalog, embora os migrantes constituam mais da metade dos católicos de sua paróquia. Eles abrem (alguns) espaços de sua paróquia para os brasileiros, contanto que haja um sacerdote que celebre a missa ou atenda confissões. Parecem bastante preocupados em manter “tudo em ordem”, organizando bem a liturgia e a catequese, mas não muito preocupados em ir “atrás das ovelhas perdidas” ou de fazer uma obra de evangelização fora da sua comunidade estabelecida. A maior parte dos párocos japoneses me parecem ter medo desta “invasão” de suas igrejas pelos estrangeiros. Os párocos nem aparecem para cumprimentar o padre, muito menos os fiéis. Feliz exceção: Padre Yuri em Minokamo que acolhe muito bem os brasileiros, que são muitos na paróquia. Talvez seus colegas sintam-se desestimulados pela barreira da língua e pelo barulho das nossas celebrações e confraternizações depois da missa?

Temos que levar em conta também, é verdade, que quase todas as igrejas estão em zonas residenciais, e portanto constantemente sujeitas a críticas dos vizinhos por qualquer barulho extra e não têm espaço para estacionar os carros, o que dificulta ainda mais a integração maior entre a comunidade nativa e as dos migrantes, pois os espaços são reduzidos tanto dentro quanto for a das igrejas. Na maioria das paróquias onde se celebram missas para brasileiros, filipinos e Peruanos, há párocos estrangeiros.

Alguns poucos párocos têm algum trabalho social (por exemplo para os “homeless”, aidéticos, marinheiros, portadores de deficiência, e outros marginalizados da sociedade). Várias paróquias têm creche (“Kindergarten”), mas estas parecem não atender à classe desfavorecida, mas ter sido fundadas como fonte suplementar de recursos para a paróquia.

Os sacerdotes jovens, vigários paróquiais, são poucos e não muito diferentes dos párocos.

Alguns outros sacerdotes são professores nas Universidades ou aposentados e ajudam aqui e acolá nas paróquias celebrando missas de fim-de-semana, inclusive para grupos de migrantes.

Não cheguei a conhecer as escolas católicas na Diocese, a não ser a Universidade de Nanzan da Sociedade do Verbo Divino, que parece ser bastante bem conceituada na Província de Aichi[22].

c) a comunidade católica japonesa

A comunidade católica japonesa que cheguei a conhecer principalmente na paróquia de Johokubashi, aqui em Nagoya, é majoritariamente composta de pessoas com mais de 50 anos.

Perguntado sobre a possível inculturação da liturgia católica com possíveis elementos da cultura milenar do arquipélago japonês, me responderam que há muito preconceito entre os católicos japoneses contra qualquer adaptação que possa cheirar algo das religiões tradicionais do país (Shintoismo e budismo). Parece ser a reação típica de uma religião profundamente minoritária (os católicos nem chegam a 1 por cento da população total!).

Além disso, encontrei poucos japoneses que querem aprender o português a fim de favorecer a integração dos migrantes brasileiros ou de ajudar os brasileiros na aprendizagem da língua japonesa. A maioria parece fechar-se num falso sentimento de superioridade, devendo os “okyakusan” (=hóspedes) brasileiros se colocar numa posição de inferioridade e submissão, embora eu tenha encontrado também felizes exceções de fiéis japoneses que acompanham as comunidades de estrangeiros. Também é mais o caso onde o pároco é ou foi estrangeiro com espírito comunitário.

c)   os demais migrantes e suas comunidades e suas relações com as paróquias japonesas.

De acordo com um folheto editado pela diocese de Nagoya por ocasião da “Aichi-Expo-2005”, das 36 paróquias das prefeituras de Aichi e Gifu, 21 só têm missas em japonês, pelo menos uma vez por semana. Há, nas demais paróquias, mensalmente 34 missas em inglês, 20 em português, 15 em tagalog[23], 10 em espanhol, 3 em Coreano, 1 em vietnamita, 1 em francês e 1 em indonésio. Além disso, são oferecidos também os outros sacramentos (batismo, unção dos enfermos, casamento, e a respectiva catequese – muito precária e rápida, porém) em várias línguas.

Há, também, algo como uma rede de assistência aos migrantes, e de ajuda esporádica aos brasileiros necessitados, através de um fundo formado em várias comunidades, por exemplo, para despesas de hospital, funerais, passagem de volta ao Brasil, etc.[24]). Há, ainda, algum tipo de assistência jurídica, distribuição de roupas e cestas básicas, visitas aos brasileiros presos, etc.

É claro que a celebração eucarística – mesmo se o sacerdote só sabe “ler a missa” – continua sendo um momento de encontro com Cristo e com os irmãos muito importante. Muitos testemunham que foi ao chegar no Japão que descobriram o valor da Eucaristia em sua vida.

Podemos dizer que a função principal das comunidades eclesiais para os vários grupos de migrantes, é de ser um espaço de encontro e de socialização onde se sentem “em casa”, mesmo como “hóspedes” de uma comunidade japonesa que estranha a “bagunça” dos brasileiros.

É verdade, outrossim, que os japoneses têm alguma simpatia pelo Brasil, pela nossa música, pelas festas[25], só que dificilmente se sentem bem na espontaneidade das celebrações brasileiras.

Pode-se dizer, com Regina Matsue[26], “As comunidades japonesas não estavam preparadas para receber os migrantes…. A integração dos brasileiros nas paróquias japonesas continua sendo um ideal. Além das barreiras da língua e da cultura, as diferenças entre a tradição católica no Brasil e no Japão não permitiram uma boa interação.… E, citando o Padre Mira: “Por causa de sua história, o catolicismo japonês se tornou formal e estagnou. Neste sistema, mesmo representando a metade de toda a população católica no Japão, e ocupando as cadeiras vazias das paróquias japonesas, os migrantes continuam sendo tratados como “hóspedes” pelos nativos.[27]

A negociação entre as duas comunidades continuará sendo uma desafio por bastante tempo, mesmo usando o mesmo espaço de celebração. Intercâmbio entre ambas ainda continua muito raro e, às vezes, inexistente, também devido à carga horária dos dekaseguis, sendo raros os brasileiros que fazem parte dos conselhos paroquiais.

d)  As pastorais:

  1. 1.   Catequese

Na diocese de Nagoya, a catequese da população católica migrante é bastante precária: no livrinho de acolhida dos migrantes, “Bem-vindos à Diocese de Nagoya”, só consta, referente à preparação para a primeira comunhão: “Requer-se uma preparação adequada conforme a idade da criança, nas escolas dominicais, ou em diversos grupos ou grêmios para aprofundar a Fé infantil. Consultar o pároco.” e quanto à preparação da Crisma: “Para receber a Crisma, faz-se mister o curso preparatório de estudo sobre a Fé. Consultar o pároco da Igreja a que pertence a criança.”

As crianças das famílias brasileiras, de fato, encontram-se muitas vezes perdidas, pois, não entendendo quase nada da língua dos pais, também não são acompanhadas pelos eles nas missas e na catequese, que é dada no idioma japonês. Deste modo, dificilmente esta nova geração será de católicos praticantes, mesmo vinda de famílias que o são.

2. Liturgia

A liturgia das comunidades japonesas é bastante hierática, bem diferente da espontaneidade das celebrações no Brasil. As mulheres ainda usam o véu branco na cabeça, crianças são poucas e “bem comportadas”, as celebrações começam no horário exato e são bem preparadas. O único instrumento musical usado na liturgia é o órgão. Só em ocasiões especiais se usa também o violão.

Juventude

Só conheço um grupo de jovens mais ou menos organizado, que é o que se reúne quinzenalmente na paróquia de Anjo.

Renovação Carismática Católica

Há vários grupos da RCC na diocese, uns mais fanáticos do que outros, mas creio todos com boa vontade para manter a necessária comunhão com a diocese e com as comunidades não-carismáticas[28]. Infelizmente assumiram um pouco o controle do ministério da música nas comunidades e de boa parte da liturgia, o que as afasta de cantar os cantos propriamente litúrgicos. Pelo que pude constatar, não há mais abusos que saltam à vista, mas falta, sim, na maioria dos grupos, um equilíbrio maior entre louvor, formação, catequese, ação solidária com os pobres.

f) Agentes de Pastoral

  1. 1.   A comunidade dos Missionários do Sagrado Coração

– Composição da comunidade MSC

A comunidade MSC de Nagoya tem, neste instante, como membros, o superior regional, japonês, dois padres idosos australianos, dois estudantes de Pápua Nova Guinea, um de Futuna e outro da Indonésia, os dois últimos chegados agora no mês de julho. O Padre Keith Humphries (63) tem sua residência no “Mikokoro Center”, a uns dois km de aqui, mas toma refeições na comunidade. Eu mesmo, até agora, não fui considerado “membro” efetivo da comunidade, mas apenas como visitante.

Além da comunidade de Nagoya, há MSC (indonésios, filipinos e australianos) párocos morando sozinhos em Fukui, Tsuruga, Konan, Ogaki e Kakamigahara, e um outro confrade japonês que trabalha como professor em Tokyo.

– Relacionamentos internos: liderança, formação, encontros…

O estilo de liderança na comunidade MSC do Japão é muito distinto do modo como vivi na vida religiosa até agora, mas aceitei a sujeitar-me ao sistema japonês onde o superior é “SUPERIOR”, ou seja, sem o aval dele nada se faz, mas uma vez que aprovou, também assume responsabilidade. Mas a palavra subsidiariedade parece não fazer parte do vocabulário japonês.

Achei um pouco estranho, que não foi feito nenhum esforço para traduzir o essencial das conversas durante a assembléia regional, nem para o Padre Tim Brennan, provincial da Austrália que estava também presente como convidado, nem para mim. Concordo plenamente que a assembléia se faça inteiramente em japonês, mas pouco adianta convidar pessoas que não entendem nada da língua, se não se prevê um mínimo de tradução simultânea ou pelo menos os resultados do encontro num relatório escrito.

Interessante também na mesma assembléia me pareceu que um assunto que questionava um pouco mais a vida comunitária, proposto no início pelo Padre Kevin, simplesmente ficou no papel sem nenhuma consideração por parte da coordenação da assembléia.

Quem entra novo na comunidade, como eu, tem que percorrer todas as “etapas da carreira” como parece ser o caso nas firmas e no serviço público, onde o que conta é o “tempo de firma”. De certa forma me senti “okyokusan – invasor”, na situação dos migrantes nossos! É claro que o fato de não saber nada da língua obriga o recém-chegado a tornar-se “in-fante” de novo, tendo que aprender tudo de novo. O “ama nesciri et pro nihilo reputari” das antigas Constituições MSC e o texto da bênção missionária de Dom Erwin, com a qual fui enviado para cá pela Igreja no Brasil[29], me ajudaram a convier com esta realidade.

A razão pode ter sido um mal-entendido por parte do superior regional e seu conselho, que parecem sempre ter tido a idéia de que eu havia vindo “para conhecer a realidade dos brasileiros”. Pelo menos, é esta interpretação que eu cheguei a dar a vários acontecimentos destes meses: resistência quando pedi para comprar um computador, depois que pareceu claro que o laptop que eu havia trazido não tinha mais recuperação; demora de mais de um mês antes de conseguir um telefone celular que achei necessário para o trabalho com as comunidades brasileiras, o fato de não ter concedido a conexão à Internet até o fim de agosto, embora custasse só puxar um fio de 5 metros; o fato de não ter tido a ocasião de tirar a carteira de motorista.

Em todos estes casos pedi ao menos 3 vezes ao superior que prometeu, mas não se interessou e ainda continua adiando…. Talvez seja significativo também o fato do meu nome na lista do refeitório sempre ficar com o dos visitantes… Mas não quero queixar-me, pois vim para tentar me integrar nesta cultura tão diferente para poder ajudar os irmãos migrantes e espero que, uma vez formalizado o contrato entre a região e a pró-província, terei mais condições de trabalhar.

– Relacionamentos externos:

Com as paróquias vizinhas e a Diocese, parece que há poucos contatos, fora da participação do pároco Pe. Makino no conselho presbiteral diocesano (“Senatus”) e da vinda do bispo em algumas oportunidades especiais (na missa internacional do dia das mães, num encontro das escolas dominicais no salão da paróquia, e na profissão religiosa da Irmã Akie, FDNSSC). Eu esperava que houvesse pelo menos alguns encontros do clero fora da missa dos Santos óleos e almoço com os padres na Quinta-Feira Santa, mas parece que os padres se encontram raras vezes. Me preocupo com a pastoral que deveria ser “de conjunto”, mas parece – mesmo havendo encontros a cada dois meses dos párocos por região pastoral – muito mais de acordo com a cabeça de cada pároco.

Entre a paróquia de Johokubashi e o Mikokoro Center, não vejo maiores contatos, fora do fato de haver MSC nas duas entidades de atendimento pastoral.

– Infra-estrutura

Creio que, depois dos SVD com a Universidade de Nanzan, o seminário, a casa de retiros de Tajimi e a casa de estudantes e várias paróquias, os MSC somos realmente abençoados com duas das mais belas e maiores propriedades da Igreja em Nagoya:

– Mikokoro Center por sua localização estratégica (8 minutos caminhando tanto da estação de Hisaya Dori, quanto do Consulado Brasileiro) e pela sua estrutura (um prédio de 4 andares com mais de vinte salas ao todo!), com estacionamento atrás para uma dúzia de carros e, a poucos minutos a pé, a prefeitura de Aichi e o grande estacionamento do Castelo de Nagoya. Parece-me que nem 50% de suas potencialidades estão sendo aproveitadas e ainda não conseguiu tornar-se “internacional” enquanto o atendimento pastoral é quase só em inglês e japonês, numa diocese onde a maioria dos católicos são latino-americanos.

– A Paróquia de Johokubashi: também muito próximo do centro de Nagoya, com bela área verde e possibilidade de estacionar ao menos uns 50 carros, um amplo salão para 250 pessoas, uma igreja para 200 pessoas sentadas, uma secretaria bem montada e salas de atendimento e de reuniões ótimas. Também me parece ter um uso muito limitado pelo espaço que sobra durante quase toda a semana.

e)  Perspectivas para o futuro imediato?

Estão conosco 4 estudantes que estão próximos da ordenação presbiteral e dos quais alguns certamente poderão trabalhar nas paróquias MSC de Johokubashi, Mikokoro center, Fukui, Tsuruga, Konan, Kagamigahara e Ogaki.

II – JULGAR

Esta realidade precisa ser interpretada, julgada sob a perspectiva da Sagrada Escritura e da tradição católica. Ajudou-me bastante nesta interpretação o texto Caridade de Cristo para com os migrantes (EMCC).

a) No Antigo Testamento e na tradição autêntica do Judaísmo que teve suas origens entre os nômades do semideserto, o estrangeiro sempre teve um lugar de destaque, já que o próprio povo de Deus passou pela experiência de ser estrangeiro, marginalizado e oprimido em toda a sua caminhada.

Abraão cometeu a loucura de acreditar na Palavra de Javé e se mandou como estrangeiro rumo à terra desconhecida… (Gn 12,1-2). Seus descendentes viveram por muito tempo como estrangeiros escravizados em terras do Egito. Tendo em vista esta experiência dos antepassados, o povo de Israel sempre de novo é convidado a “amar o estrangeiro” (Dt 10,19)

O exílio babilônico foi também para o povo uma experiência amarga mas ao mesmo tempo enriquecedora de ser estrangeiro, e de ter que encontrar sua identidade no meio de uma cultura e religião muito diferentes.

b)  Novo Testamento:

Na carta aos Hebreus, dos patriarcas é dito: “Todos morreram firmes na fé. Não chegaram a desfrutar a realização da promessa, mas puderam vê-la e saudá-la de longe e se declararam estrangeiros e peregrinos na terra que habitavam…” (Hb 11,13)

No final dos tempos, o critério para sermos admitidos definitivamente no Reino de Deus, não será se tudo na igreja está bem organizado, se rezamos bastante ou tivemos liturgias bem bonitas, mas o Rei dirá: “Vinde, benditos de meu Pai! … Pois eu estava com fome, e me destes de comer, estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me.” (Mt 25,35)

Maria foi peregrina, o próprio Jesus veio levantar sua tenda no meio de nós e realizou sua missão como pregador itinerante, sem morada fixa, como a maioria do nosso povo migrante.

No evangelho de Lucas, especialmente, o estrangeiro é colocado em destaque: “Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?…” (Lc 17,18)

O Cristo ressuscitado se deixa reconhecer no estrangeiro na caminhada de Emaús (“És tu o único forasteiro em Jerusalém…?” – Lc 24, 18). Os discípulos caracterizam o estrangeiro como desconhecedor da realidade, enquanto, no correr da história, são eles mesmos que se mostram “homens de pouca inteligência e lentos para crer”. Mas, por outro lado, eles estão certos ao chamarem Jesus de “forasteiro”, pois faz parte da identidade de Jesus: é no forasteiro Jesus, que Deus vem visitar o seu povo e principalmente a cidade de Deus, Jerusalém. Ele só poderá oferecer a salvação que vem de Deus na medida em que for acolhido. Nesta história – como na acolhida que Paulo e Barnabé receberão em Lystra (At 14) -, ressoa a lenda muito conhecida no mundo helenista de um casal de velhos que acolhe, sem o saber, os deuses Mercúrio e Júpiter[30].

No evangelho de Lucas, Jesus é apresentado constantemente como estrangeiro, peregrino, “a caminho”, no qual Deus vem visitar seu povo. Às vezes, ele é bem acolhido, outras vezes não. No final de sua longa caminhada para Jerusalém, a cidade eliminará o “estrangeiro incômodo, mas indefeso”. Por esta rejeição, os romanos não deixarão pedra sobre pedra, porque a cidade não soube reconhecer o tempo em que foi visitada (Lc 19, 41-44).

E, de fato, Jesus não é deste mundo: o estrangeiro no mundo é também o estrangeiro vindo do céu. A hospitalidade oferecida ao estrangeiro é a condição para ser capaz de reconhecê-lo e para participar de seus dons, e nunca é um movimento de uma só mão!

Se ressuscitamos com Cristo, busquemos as coisas do alto, nos diz São Paulo… Portanto… revistamo-nos do homem novo… Ali não se faz mais distinção entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, porque agora, o que conta é Cristo, que é tudo e está em todos.” (Cl 3,1-11)

c) Na tradição cristã, a migração foi uma constante e a própria situação de serem refugiados incentivou os primeiros cristãos a pregar o evangelho no meio de outros povos. A Igreja se estruturou como “paroikia” e constantemente dá sinais de universalidade acolhendo o estrangeiro no seu meio.

Deve constituir-se como sinal de diálogo e reconhecer o grande dom da diversidade de raças e culturas como uma graça e uma proposta de bênção para o universo inteiro.

Neste sentido as migrações constantes deste último século talvez sejam um “sinal dos tempos” que nos desafia, mas ao mesmo tempo nos abre horizontes para a realização plena do sonho do apocalipse 7,9: a formação da comunidade de gente de todos os povos, raças e nações…

Conclusão:

Creio, sinceramente, que a Diocese de Nagoya está, por um lado, diante de um desafio muito grande, mas recebe, por outro lado, também uma graça de enriquecimento que poucas dioceses do mundo recebem: qual a Igreja local no mundo que, em pouco mais de dez anos, vê multiplicar-se por três o número dos seus fiéis com a contribuição dos migrantes vindos de uma igreja dinâmica como a do Brasil? Saberemos reconhecer este sinal dos tempos? Saberemos responder a este desafio ou deixaremos que os meninos toquem flauta e não nos alegramos?

III. AGIR

A partir desta realidade que se nos apresenta, a partir da tradição bíblica e da Igreja que sempre foi chamada a acolher e respeitar a multiculturalidade que faz parte do seu ser, creio poder sonhar com algumas iniciativas que talvez possam ser úteis para o atendimento dos migrantes brasileiros nesta Diocese. Espero que meu “sonhar” seja partilhado também por outros, pois “sonho que se sonha só, fica muitas vezes em ilusão, sonho que se sonha juntos é começo de libertação”.

Antes de mais nada, sem negar o valor da opção da diocese por uma igreja multicultural, creio ser importante não se iludir com a possibilidade de uma rápida integração dos católicos brasileiros nas comunidades japonesas: alguns, que já falam bem o ni-hongo, certamente o conseguirão, mas se quisermos forçar este processo, a maioria cairá fora, se perderá no materialismo envolvente da sociedade japonesa ou procurará outras igrejas ou seitas, pois não têm projetos de criar raízes aqui.

Aliás, é significativo que os migrantes japoneses no Brasil continuam tendo na pastoral Nipo-Brasileira, seu próprio ambiente de celebração em japonês, mesmo depois de quase um século. Além disso, não saberemos atrair os católicos brasileiros perdidos por aí, muitos dos quais nem sabendo onde há igreja católica na sua vizinhança. Por isso, creio que a preocupação terá que ser a de atender o maior número possível de brasileiros na sua própria língua, oferecendo-lhes a possibilidade de formar comunidades que, pouco a pouco poderão aproximar-se das japonesas na medida em que houver de ambos os lados a vontade de aprender um do outro.

Além dessa observação inicial, estou sonhando mais alguns sonhos:

a.Quanto às missas: Para solidificarmos as comunidades, não se conseguirá muita coisa com uma só missa mensal em português. E, no caso de não ser possível ter duas missas ao mês em português, devido à falta de sacerdotes, deverá haver em todas as paróquias com um número substancial de migrantes, além da missa em português uma vez ao mês, ao menos uma missa semanal bilíngüe ou internacional (japonês, inglês, espanhol, tagalog, português), onde ao menos as leituras se façam em mais de uma língua e o texto das mesmas seja disponível em várias línguas, e onde haja uma tradução escrita ou simultânea da homilia e dos avisos paroquiais em português. Isto talvez colocará um pouco mais de equilíbrio no número de missas celebradas semanalmente na Diocese (Cf acima: em Aichi-ken e Gifu-ken, há mensalmente 34 missas em inglês, 20 em português, 10 em espanhol, 3 em coreano, uma em vietnamita, francês e indonésio). Talvez ainda mais importante seja termos em cada paróquia uma equipe de acolhida mista (português, espanhol, tagalog, japonês).

Creio que poderia ser muito útil também se houvesse, além da missa semanal em Hibino aos sábados, também uma missa semanal num dia fixo de semana e no horário mais adequado, num lugar de fácil acesso em Nagoya, quem sabe na capela do Mikokoro Center, para aqueles trabalhadores que não podem participar da Eucaristia nos fins de semana, devido às exigências do trabalho. Nesta missa poder-se-ia, também, incluir a novena a Nossa Senhora do Sagrado Coração.

b. Aproveitando das missas, pode-se favorecer ainda mais algum tipo de partilha e encontros das comunidades brasileiras, como já vem acontecendo na maioria dos lugares: é uma oportunidade sem igual para encontrarem-se as famílias num ambiente sadio, partilhando algum salgadinho, cortando um bolo por ocasião do aniversário ou da despedida ou chegada de algum dos membros da comunidade.

c. Creio também ser muito importante oferecermos aos fiéis a oportunidade de receber o sacramento da reconciliação em sua própria língua e me disponho a estar sempre disponível pelo menos meia-hora antes das celebrações eucarísticas para atender confissões. Além disso, como o Padre Higa já vem fazendo em Hamamatsu, creio ser importante também oferecer horários de expediente para quem deseja orientação espiritual, quem sabe em um ponto dos lugares de maior concentração dos migrantes brasileiros (p.ex. em Toyohashi, Toyota, Anjo, Nagoya – poderia ser em alguma sala do MC uma ou duas tardes por semana, pela centralidade da localização, perto do consulado brasileiro de Nagoya onde muitos têm que vir para atualizar os documentos).

d. Nos mesmos locais, onde há um padre de língua portuguesa mais estável, o povo também poderá procurá-lo para o atendimento dos enfermos, levando-lhes a unção dos enfermos e o viático, e para a organização dos funerais cristãos em sua língua.

e. Para solenizar e dar um destaque maior às grandes festas como Natal e Semana Santa, além das festas juninas que já fazem parte do calendário decassegui, não se poderia pensar em formar um grupo de teatro (os próprios grupos de quadrilha??) para apresentar um presépio vivo (que tal um concurso para descobrir algum/a autor/a entre os migrantes de uma peça do tipo “Natal no Japão” ou “Jesus continua morrendo no Japão”… ou a Via Sacra dramatizada, que tanto contribuíram no Brasil para a evangelização do povo simples?) Estou pensando também na celebração da festa de Corpus Christi, de Nossa Senhora Aparecidae de alguma procissão penitencial ou festiva. É claro que, para estas últimas manifestações públicas da fé católica, não se pode sonhar em ocupar as ruas e avenidas, mas deveremos pensar em espaços maiores da própria Igreja Católica como a Universidade de Nanzan em época de férias acadêmicas ou o terreno e locais da paróquia de Johokubashi.

f. Em vista da situação muitas vezes dramática de muitas família, creio ser de fundamental importância também pensar numa pastoral familiar mais sólida, quem sabe aproveitando de várias lideranças que já participavam no Brasil de ECC, Equipes de Nossa Senhora, Cursilho de Cristandade, etc. Seria sonhar demais em organizar um encontro de casais com Cristo no correr do ano de 2006, que poderia incentivar os casais a trabalharem nesta área? E para regularizar tantos matrimônios irregulares e outros tantos que de fato foram nulos, possibilitando-lhes a participação plena na vida da Igreja, não haveria condições de termos na diocese alguém que seja multilingüe nomeado como juiz eclesiástico?

g. Também merece uma atenção maior a pastoral da juventude. Creio que, com a vinda de alguns sacerdotes novos, deverá ser possível oferecer aos jovens algo diferente do que apenas um grupo de jovens da renovação carismática católica com seus limites. Já que a grande maioria dos jovens brasileiros também trabalham, me pergunto se não haveria a possibilidade de eles se organizarem em estruturas diferentes do que os grupos carismáticos, por exemplo, algo como a antigo JOC (Juventude Operária Católica), que tanto bem tem feito na Bélgica, minha terra de origem e no Brasil, com seu método de formação na ação, Ver-Julgar-Agir, educação para a cidadania e para a conscientização dos trabalhadores, valorizando-os como pessoas humanas, como portadores de direitos e como cristãos …

h. Relacionado com a pastoral da juventude, me parece importante, ao lado do aconselhamento individual de possíveis vocacionados, pensar também num encontro vocacional específico no correr do próximo ano para eles e elas, talvez em nível de Japão. Pois muito me estranharia se Deus não chamasse rapazes e moças generosos no meio da juventude católica de migrantes que topem a parada de doação total por causa do Reino de Deus.

i. Como catequista, me preocupa também sobremaneira a falta de formação da maioria dos nossos católicos. É claro que a maior ênfase deverá sempre ser dada também aqui, na catequese com adultos, mas não se pode pensar numa comunidade cristã que não tenha uma catequese permanente, “desde o seio materno, até a morte”, como dizia o grande catequista Frei Bernardo Cansi.

1   – Sonho com uma catequese de iniciação cristã adaptada à realidade japonesa e particularmente dos filhos e filhas dos migrantes, quem sabe numa linguagem mixta e com a utilização de mangás e outros recursos audiovisuais como vídeogames e da internet. Será que não se encontram entre os profissionais desta área gente que queira dar sua contribuição na formação inicial da fé das crianças e adolescentes?

2   – Sonho em círculos bíblicos ou, se quiser, em grupos de reflexão que se reúnem semanal- ou quinzenalmente durante a semana, mesmo com um público nem sempre estável, para aprofundarem sua fé e confrontá-la com a realidade que vivemos aqui no dia-a-dia do trabalho no Japão.

3   – Sonho na preparação do matrimônio a longo prazo para adolescentes e jovens, onde eles e elas possam se encontrar com casais cristãos de anos de experiência de vida matrimonial, e não apenas para um cursinho de preparação de umas poucas horas. Neste campo, creio que há experiências muito válidas (ex. As paróquia do setor centro em Cuiabá) que poderão nos ajudar.

4   – Sonho em equipes de coroinhas (meninos e meninas) bem preparados que comecem a gostar de servir na liturgia, possíveis sementes – quem sabe – de maiores responsabilidades ou ministérios na comunidade de fé.

5   – Sonho, finalmente num programa de formação teológico-pastoral para a formação de agentes de pastoral, de ministros para os enfermos, ministros extraordinários da comunhão, e outras lideranças das comunidades, a começar com a continuidade dos dias de formação nos quintos domingos do mês.

j. Seria sonhar demais, quando penso que deveria ser possível organizar um serviço de solidariedade e de luta pelos direitos dos trabalhadores decasseguis e suas famílias e estimular a própria organização deles em sindicatos? Sei que não cabe aos padres organizar sindicatos e advocacia, mas creio que devemos dar todo apoio possível a iniciativas neste campo.

k. O mesmo creio que vale para a presença cristã nos Meios de Comunicação Social. Será que não haveria a possibilidade de usar o canal 333 para uma programação católica que também ajude na evangelização ? E que tal termos uma coluna também nos jornais ou um programa radiofônico nas rádios mais sintonizados pelos brasileiros? É sonhar demais, quando penso na possibilidade de termos até uma missa televisionada bem preparada, por exemplo, por ocasião da festa da Aparecida? Não daria para dar continuidade à idéia de elaborarmos um folheto litúrgico próprio para a nossa realidade daqui? O que certamente deve ser possível realizar é um belo folheto de acolhida na Diocese a ser distribuído aos recém-chegados com todas as informações básicas necessárias para a inserção nas comunidades. Este folheto deverá ser colocado à disposição gratuitamente nas lojas de produtos brasileiros, no consulado (?), nos Centros Internacionais. Também um anúncio por parte da diocese nos dois jornais brasileiros sobre onde estão sendo celebradas as missas em português, nesta diocese me parece valer a pena: a comunicação é importante!

l. Outro sonho que talvez seja difícil realizar, mas que poderá ajudar muito na integração: que tal um curso básico de português e de cultura brasileira para os padres e demais agentes de pastoral e secretário/as paroquiais que trabalham nesta diocese? Ou será que mais da metade dos fiéis da diocese não merecem ser atendidos na sua língua? Creio que pelo menos mostrará o carinho dos “pastores” que trabalham nesta diocese e deixará outra impressão muito mais positiva do que a que a maioria dos padres infelizmente parece ter entre os migrantes. Além disso, me parece fundamental que os seminaristas diocesanos e de congregação sejam confrontados com a realidade nova da Igreja Católica no Japão e incentivados a aprenderem as línguas dos migrantes (português, espanhol, tagalog) e algo sobre a história da igreja na América Latina e nas Filipinas.

m.Que tal a gente procurar fazer algum tipo de contrato de colaboração com as universidades católicas de Sofia e Nanzan para um estudo mais adequado da realidade social, econômica, familiar do povo migrante vindo do Brasil e as respostas que espera por parte da Igreja ?

n. Um novo esforço de evangelização certamente terá que ser feito, se a Igreja não quer perder mais terreno aos evangélicos. O instrumento de missões populares não valeria a pena ser considerado ou não é adequado à realidade daqui ?

o. A organização do atendimento pastoral na Diocese. Creio ser importante sentarmos juntos, no mês de novembro próximo, todos os agentes de pastoral com brasileiros para fazer um planejamento mais elaborado para o próximo ano e recuperar para a nossa diocese as conclusões do encontro nacional do mês de outubro. Poderíamos também aproveitar para fazer um calendário, inclusive para que não coincidam as festas juninas, primeiras comunhões e crismas das várias comunidades em 2006, e para repartir as responsabilidades nas várias áreas da pastoral (liturgia, catequese, ação social, pastoral familiar, pastoral da juventude, círculos bíblicos, formação de coroinhas, preparação para o matrimônio…).

Conhecendo agora praticamente todas as comunidades brasileiras da Diocese, sugiro que refletíssemos sobre a seguinte idéia: não seria mais adequado termos como quatro regiões na diocese, cada uma com seu responsável direto, mas incentivando também a presença dos outros padres e irmãs em toda a diocese.

O coordenador diocesano pode continuar sendo o Padre Genivaldo, ao menos por mais dois anos. Nas várias regiões da diocese, onde se faria o possível de as comunidades terem Eucaristia em português duas vezes por mês, as responsabilidades poderiam ser distribuídas da seguinte forma:

1a região: sudeste da diocese: centro: Toyohashi – responsável: Padre Genivaldo

2a região: centro de Aichi: Kariya, Anjo, Toyota, Handa – responsáveis: Padres SVD (Domingos, Osvaldo, Plum, Anselmo…)

3a região: Nagoya: Hibino, Komaki, etc. – responsável: irmã Cecília

4a região: demais prefeituras do norte: Fukui-ken, Ichigawa-ken, Toyama-ken, Gifu-ken. Responsável: Padre Zeca.

Todos nós, agentes de pastoral liberados, faríamos um esforço para, ao menos uma vez por ano, visitar todas as comunidades, afim de não perdermos os laços de amizade e podermos dar um apoio mais eficiente um ao outro. A experiência também tem mostrado o valor dos dias de formação nos quintos domingos do mês.

p. Pastoral social: Talvez não seja necessário pensar na construção de um centro como os Salesianos estão projetando construir em Hamamatsu, para o atendimento dos migrantes e dos mais pobres, mas me parece que não podemos deixar de pensar mais na acolhida e na formação das lideranças nossas também no campo social.

Além disso, precisaremos estimular a maior integração da comunidade brasileira na sociedade, por exemplo, na adesão à providência social como existe aqui no Japão, a aprendizagem da língua, quem sabe a organização de sindicatos ou outras organizações de trabalhadores, eventualmente integrando-se nos sindicatos existentes dos japoneses e também a participação em eventos cívicos e festas japonesas.

Por outro lado, deveríamos ter também acesso a meios jurídicos para superar o racismo e a discriminação das quais os brasileiros são vítimas tantas vezes e para combater as injustiças.

É claro que tudo isso não se fará num ano, mas a solidariedade e a preocupação com os direitos humanos não podem ficar fora das nossas preocupações.

q. O futuro da comunidade MSC: Talvez seja possível oferecer aos jovens membros da comunidade, além de um bom conhecimento do japonês, também o mínimo do português do Brasil, se o projeto para o futuro é de eles trabalharem nas paróquias MSC.

Com certeza, a própria estrutura da Região MSC do Japão terá que ser encarada algum dia destes, pois não é normal que continue dependendo juridicamente da Província Australiana quando os australianos estão sendo substituídos na comunidade por membros vindos de ao menos 5 outros grupos MSC (PH,RI,PNG,CUR,PU). O próximo capítulo geral em Roma não poderia dar uma orientação?

Quem sabe, com novas iniciativas e mais disposição para a abertura dos religiosos e religiosas MSC e FDNSSC, seja possível também atrair vocações entre os filhos de migrantes.

Quem sabe, com poucas melhorias e gastos seja possível tornar toda a infra-estrutura que são as propriedades MSC e das nossas paróquias mais adequada e disponível às necessidades de formação das comunidades católicas de diversas origens, o que inclui ar condicionado no salão e na igreja, aquisição de um projetor de apresentações… um escritório para os latinos, seja no MC, ou na paróquia de Johokubashi. Se os nossos antecessores conseguiram adquirir estas propriedades, certamente foi com a intenção de que servissem ao povo de Deus e não que ficassem inutilizados. Não o fazendo, estaríamos pecando gravemente contra a nossa opção pela pobreza.

Parece-me, também, muito importante que nós, MSC nos tornemos sempre mais uma comunidade acolhedora, onde jovens – possíveis vocacionados – se sintam bem-vindos, mesmo se perturbando um pouco a tranqüilidade do ambiente e a rotina da nossa vida comunitária. Inclusive fica aqui a sugestão de, por ocasião da Festa do Sagrado Coração, convidar os padres das paróquias vizinhas para o almoço, como em tantos países do mundo parece ser o costume.

Quem sabe, partindo da experiência secular na congregação, seja possível promover melhor a devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração, organizando (traduzindo e publicando uma novena?)

r. Como vejo o meu trabalho, caso for confirmado o contrato por quatro anos entre a região japonesa MSC e a província de Curitiba?

Para mim acho indispensável poder ser membro de uma comunidade religiosa e poder dar minha contribuição como religioso, mesmo que não seja possível estar presente em todos os momentos de oração e de reunião da comunidade.

Vejo também a necessidade de seguir um curso sistemático de conversação em japonês, para poder facilitar o intercâmbio com os padres e a diocese e não depender constantemente de quem traduza.

Além disso, tudo poderá ser discutido, mas eu poderia ficar disponível para atendimento aos enfermos e funerais em toda a diocese durante a semana e ter duas tardes disponíveis para aconselhamento espiritual ou confissões, seja aqui em Johokubashi ou no Mikokoro Centre.

Também poderia assumir uma missa em português num horário mais conveniente durante a semana, para os cristãos que tiveram que trabalhar no fim de semana ou para pessoas interessadas na Novena de Nossa Senhora do Sagrado Coração. Creio que o local mais indicado seria o Mikokoro Centre, pela proximidade do consulado brasileiro.

Também creio ser importante dar a oportunidade de celebrações em português duas vezes por mês nas comunidades maiores ou de maior concentração de brasileiros. Penso em Komaki, Minokamo e Ogaki em Aichi-ken e Gifu-ken por um lado e Fukui, Oiabe e Takaoka em Fukui-ken, Toyama-ken e Ishikawa-ken nos outros dois fins de semana. Além disso poderia continuar ajudando de vez em quando na missa semanal em Hibino.

Disponho-me, também, a começar pensando mais seriamente na catequese de iniciação para crianças e adolescentes, que necessariamente terá que ser bilingüe e adaptada à realidade dos filhos dos migrantes brasileiros.

Um programa destes supõe também os meios disponíveis para ser executado, por exemplo, um veículo pequeno, pois não se pode depender sempre de voluntários que apanhem o padre na estação mais próxima. Também poderemos pensar na aquisição de um projetor de data-show, de alguns dvds de bons filmes brasileiros, numa assinatura do canal brasileiro 333 aqui em Nagoya e do Jornal International Press.

BIBLIOGRAFIA

REGINA MATSUE, Religious activities among the Japanese-Brazilians “Dual Disapora” in Japan, tese em elaboração para a Universidade Tsukuba.

MIRA, JOÃO MANOEL, SJ,Universidade Sofia, Trabalhadores Latino-Americanos no Japão, in A imigração latino-americana no Japão, Graduate School of Languages and Cultures, Nagoya University.

LESSER, JEFFREY (ed.) Searching for Home Abroad. Japanese Brazilians and Transnationalism, Duke University Press, Durham and London, 2003 com os artigos mais interessantes:

LESSER, JEFFREY, Japanese, Brazilians, Nikkei: a Short History of Identity Building and Homemaking, p. 5-

ISHI, ANGELO, Searching for Home, Wealth, Pride, and “Class”: Japanese Brazilians in the “Land of Yen”, pp. 75-

(GAKU) TSUDA, TAKEYUKI, Homeland-less Abroad: Transnational Liminality, Social Alienation,and Personal Malaise. p. 121-

YAMANAKA, Keiko, Feminization of Japanese Brazilian Labor Migration to Japan, p. 163

LINGER, DANIEL T., Do Japanese Brazilians exist?, p. 201

Anexos

1. Eu vim de longe

1. Eu vim de longe / pra encontrar o meu caminho. / Tinha um sorriso e o sorriso ainda valia. / Achei difícil a viagem até aqui, / mas eu cheguei, mas eu cheguei.

2. Eu vim depressa. / eu não vim de caminhão. / Eu vim a jato, no asfalto pelo chão. / Achei difícil a viagem até aqui, / mas eu cheguei, mas eu cheguei.

3. Eu vim por causa / daquilo que não se vê. / Vim nu, descalço, sem dinheiro e na pior. / Achei difícil a viagem até aqui, / mas eu cheguei, mas eu cheguei.

4. Eu tive ajuda / de quem você não acredita. / Me deu esperança de chegar até aqui. / Vim caminhando, aqui estou, me deicidi: / eu vou ficar, eu vou ficar.

2. BENÇÃO DO ENVIO: (Dom Erwin Kreutler)

“Vai meu irmão, minha irmã! Lá, em tua nova missão, em tua nova terra, em tua nova pátria, anunciarás Jesus Cristo e o seu Evangelho, servirás aos pobres, aos excluídos do banquete da vida, lavando-lhes os pés, falarás com quem nunca andou ou não anda mais conosco. Tu te aproximarás com muito carinho a um povo com cultura e tradições diferentes. Chegando lá, estranharás, sem dúvida, os costumes e usos locais. Mas, não imporás as tuas idéias! Não apresentarás o país que te viu nascer como paraíso! Não dirás nunca que no lugar onde te criaste, as coisas estão bem melhores! Não darás nunca a impressão de que vieste para ensinar, para civilizar, para instruir, para colonizar! Jamais violentarás a alma do povo, que doravante, será o teu povo! Oferecerás simplesmente o testemunho de tua fé, de tua esperança e de teu amor, e darás a tua vida até o fim, até as últimas conseqüências! Assim, tu terás o privilégio e a felicidade de viver a graça de todas as graças! Encontrarás o Senhor que disse: ‘Depois que eu ressuscitar, irei à vossa frente para a Galiléia’ (Mc 14,28). No Evangelho de São Marcos o “jovem sentado do lado direito” do túmulo vazio disse às mulheres, Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro: Ele vai à vossa frente a Galiléia. Lá o vereis, como ele vos disse! (Mc16,7). Missão é sempre ir à Galiléia, às Galiléias de todos os continentes. Nossa Senhora Aparecida, de Nazaré, de Guadalupe e de tantos nomes mais te proteja sempre e em todos os lugares por onde andares! Agora, meu irmão, minha irmã, é hora de partir! Desata e enrola de uma vez a tua rede, pega a tua boroca ou mochila, despede-te de pai e mãe, da família, de quem te ama e a quem tu amas! E vai em frente! Vai em frente! Segue o teu caminho e não olhes mais para trás! Todo mundo vai rezar por ti! Vai acender velas ao pé da Santa! Vai com Deus! Vai com Deus! Amém! Amém!”.

Nagoya, 24 de agosto de 2005



[1]Até fins de maio deste ano de 2005, foram registradas 1046 crianças no consulado de Nagoya e 641 no consulado de Tokyo.

[2]Entre os Nikkeis (segunda e terceira geração de migrantes, nisseis e sanseis) brasileiros, segundo o Centro de Estudos nipo-brasileiros (1991), 53 % seriam católicos e 31% pertenceriam aos novos movimentos religiosos Japoneses. É provável que a porcentagem de católicos entre eles tenha decrescido nestes últimos 14 anos, como foi o fato constatado no conjunto da população brasileira, pelo censo de 2001 do IBGE, em benefício das igrejas evangélicas e dos que se declaram “sem religião”.

[3]Japan Catholic News, n. 1104, March 2005

[4]Jornal Nippo-Brasil de 13/07/2005, p. 19, com estatísticas do Ministério da Justiça

[5]Parecem ser as estatísticas oficiais do consulado brasileiro em Nagoya, pois as de Aichi-ken foram publicados num folheto distribuído no centro internacional de Nagoya com o título “Aichi-Brasileira”. Num folheto parecido sobre Shizuoka-ken, citam-se os números daquela província: 29.628 o total, dos quais em Hamamatsu: 21.230, Fuji-shi: 1.822, Kakegawa:1.144, Fukuroi: 1.320, e Iwata: 3.353. O número total de brasileiros no país supera os 280.000 e aumentou nestes últimos anos com mais de 10.000 por ano.

[6]Dados mais recentes do Boletim informativo Toyohashi, Julho 2005, n. 46, p. 1: população total de Toyohashi: 379.155; população estrangeira: 18.557; população brasileira: 11.694

[7]O pessoal de Minokamo me contou que, só em Kani – Gifu-ken, haveria 5000 brasileiros.

[8]cf. MIRA, João Manoel, SJ, Trabalhadores latinoamericanos no Japão, p. 147

[9]Para o governo japonês, a política de incluir a categoria étnica de Nikkeijin foi um instrumento conveniente para manter a “pureza racial” e ao mesmo tempo suprir a falta de trabalhadores. Mas introduziu no país uma minoria significativa com uma cultura distinta e estrangeira, subvertendo o propósito original da política. Para os imigrantes que puderam ser incluídos nos critérios da etnicidade definidos pelo estado japonês, a mesma política parecia prometer um acesso privilegiado a oportunidades econômicas e integração cultural no Japão, seu agora superrico “país de origem”. Mas de fato, ficaram numa posição de uma minoria desprezada na sociedade… (Keiko Yamanaka, p. 192)

[10]Entre os migrantes brasileiros, os nascimentos são bem mais numerosos: em 1994, foram registrados 1725 bebês nos consulados de Tokyo e Nagoya, em 1998, já eram 3820 e hoje em dia são em média mais de 10 por dia só no consulado de Nagoya.

[11]Marcello Barros, num artigo intitulado “travessias”, diz: “Os americanos, europeus e japoneses não precisam mais buscar escravos nos mares do sul. Estes batem à porta de suas casas. Os patrões fingem que não os desejam, mas deixam a vassoura, o balde e o avental atrás da porta...”

[12]Ibidem, mesma página.

[13]Nestes meses fui dar a bênção a duas casas novas construídas por brasileiros: nestes casos, os donos admitem que sua permanência no Japão é definitiva, pois o financiamento corre por 25 anos.

[14]Em 2004, 35,7% das crianças estrangeiras em escolas públicas japonesas que não dominavam a línga japonesa eram brasileiras. Só a metade dos jovens brasileiros que terminam o chûgakkô (ensino fundamental) entram no kôkôgakkô (ensino médio): muitos preferem trabalhar.

[15]Há um conto tradicional no Japão que se aplica tanto aos japoneses migrantes no Brasil que voltam ao Japão, mas também aos brasileiros que voltam à pátria: é a história de um pescador chamado Urishima Taro, que ficou muitos anos fora do povoado de origem e não se reconhece mais ao voltar. (cf Joshua Hotaka Roth, p. 111)

[16]Uma das professoras da escola brasileira de Toyota disse-me que haveria, segundo uma pesquisa realizada recentemente em todo o Japão, em torno de 4000 jovens brasileiros em situação de risco. Ela prometeu enviar-me mais detalhes desta pesquisa. É preocupante!

[17]Alguns acrescentam outros dois “k”: kibishii, sacrificado e kirai, desagradável. Em inglês se usam as palavras com “d”: dirty, difficult, dangerous. Mesmo assim, recebem salários médios de mais de US$ 3.000 mensais (homens) e ao redor de US 2.280 as mulheres. (cf. Keiko Yamanaka, p. 185)

[18]É o que chamam o “nihon-go de fábrica”: algumas frases referentes ao serviço, às compras no comércio, na conversa informal com os vizinhos… Mesmo os que têm carteira de motorista não têm mais do que uma noção muito superficial dos avisos nas placas de trânsito.

[19]Dona Maria Yamamoto, de Ogaki, me contava o caso de um rapaz brasileiro que recentemente foi preso pela polícia e detido na delegacia por várias horas, só pelo fato de andar numa bicicleta nova, que havia acabado de comprar e pelo fato de ser moreno e não saber se defender bem em japonês. Houve lá também o caso de um rapaz moreno que foi depositar um saco de moedas numa conta bancária e ouviu os funcionários telefonar pedindo a vinda da polícia, porque desconfiavam que fosse assaltante.

[20]Cfr. Keiko Yamanaka, p. 185. Isto significa também que o trabalho dos brasileiros é muito menos oneroso para os empregadores japoneses do que contratando japoneses, pois estes tem garantia de emprego vitalício, previdência social (inclusive aposentadoria, seguro-saúde, seguro-desemprego), subvenções por dependente, para o transporte, habitação, férias anuais e bônus. A maioria dos trabalhadores estrangeiros não recebem estes benefícios. Ao mesmo tempo, a autora observa que a lei de 1990 sobre os vistos especiais aos nikkeis possibilitou a manutenção da ideologia e prática patriarcal tradicionais no Japão. (p. 188) Além disso, os trabalhadores brasileiros se dispõem a prestar muitas horas extras, para ganhar mais e não perder o seu emprego. Alguns trabalham até 16 horas por dia (ou noite)!! Férias mais longas do que uns 3-4 dias só são possíveis despedindo-se da fábrica e voltando ao Brasil.

[21]Cfr Takeyuki (Gaku) Tsuda, p. 125

[22]Me informaram que, além da escola média de Nanzan, há também escolas de ensino fundamental e médias em Seto (Capitanio), Okazaki (Hikarigaoka), Toyota (Kokusai) e Gifu (Sei Maria), mas não cheguei a visitá-las.

[23]Os filipinos celebram em inglês e em Tagalog, e são relativamente bem atendidos, pois a maioria dos padres tem algumas noções do inglês.

[24] Em Tokyo, há os três CTIC (Catholic Tokyo International Centre) mantidos pela arquidiocese e, em Hamamatsu (Shizuoka-ken), a cidade de maior número de brasileiros – mais de 23.000, a obra do Padre Higa, sdb. A diocese de Saitama mantém as “Open house” com a mesma finalidade. Em Nagoya se oferece também assistência jurídica aos migrantes, no Mikokoro Centre (o escritório do Tomo no kai, que empresta também cadeira de roda etc.).

[25]As festas juninas de Hamamatsu, de Toyohashi, e de Toyota reúnem milhares de pessoas entre brasileiros e japoneses.

[26]Regina Matsue, Religious Activities among the Japanese-Brazilians “Dual Diaspora” in Japan. Esboço de um artigo a ser publicado na Universidade de Tsukuba., p. 18

[27]MIRA, João, sj. Trabalhadores Latino-Americanos no Japão” in A imigração latino-americana no Japão, Graduate School of Languages and Cultures, Nagoya University, 2003, p. 149

[28]Nos últimos anos houve várias visitas de pregadores ligados à Canção Nova, que vieram dar seu recado mais nem sempre levaram em conta a realidade específica dos católicos brasileiros aqui. Isto causou uma certa prevenção por parte dos padres e do bispo de Nagoya. Além disso, houve e de certa forma continua havendo conflitos sérios entre algumas lideranças mais fanáticas e a comunidade maior.

[29] Cfr. anexo.

[30]É a história que o poeta Ovídio nos conta em suas “Metamorfoses” de Filemon e Baucis.