Abrigados em Roraima, adolescentes venezuelanos superam barreiras para estudar durante a pandemia

“A palavra para este período é adaptar-se. Tivemos que ter força para nos manter estimulados e estudando durante a pandemia”

Este ano, ir para a escola foi diferente de tudo que os irmãos Amy (15) e Anthony Moncada (16), ambos solicitantes da condição de refugiado no Brasil, já tinham experenciado como estudantes. A vinda da Venezuela gerou inúmeros desafios para a família, e no âmbito escolar não foi diferente. Tiveram que aprender um novo idioma, construir outra rotina e lidar com a inesperada chegada do novo coronavírus.

Entretanto, com muita perseverança e adaptação, os irmãos conseguiram continuar o ensino médio no Brasil, onde esperam construir um futuro com seus pais.

A família Moncada veio da Venezuela para o Brasil no final de 2019 devido à escassez de medicamentos e de serviços de saúde para o pai de Amy e Anthony. O pai, a mãe e o casal de irmãos vivem no abrigo temporário Rondon 2, em Boa Vista. Mesmo com todas as adversidades, para eles a educação é uma ferramenta essencial para recomeçar a vida no país que os acolheu.

Por isso, logo quando chegaram em Boa Vista, matricularam os adolescentes na rede pública estadual, o que foi possível graças a um procedimento facilitado de equivalência e acesso estabelecido pelo governo de Roraima. Hoje, os adolescentes celebram com alegria a conclusão do primeiro ano do ensino médio, previsto para o próximo mês de novembro.

Amy na entrada do abrigo temporário Rondon 2, em frente ao mural pintado por seu irmão Anthony para representar o fluxo de refugiados e migrantes venezuelanos para o Brasil. ©ACNUR / Lucas Novaes

De acordo com a Secretaria de Educação do Estado de Roraima, até o fim de 2019 cerca de quatro mil refugiados e migrantes venezuelanos, entre crianças, jovens e adultos, foram matriculados nas 134 escolas do sistema público de ensino estadual. Dentre eles, 3.194 são alunos do ensino fundamental e médio como Amy e Anthony.

“São pequenos passos como esses que geram um impacto imensamente positivo no futuro de crianças e jovens refugiados”, destaca o Representante Adjunto do ACNUR no Brasil, Federico Martinez. “Em um mundo no qual quase metade dos refugiados tem menos de 18 anos, é essencial que a educação seja uma um direito plenamente garantido para que possamos construir um futuro mais igualitário e justo”, afirma.

Os dois primeiros meses de aula de Anthony e Amy foram presenciais, e o novo idioma trouxe seus desafios no ensino. “Não sei como estava estudando, eu não entendia nada”, diz Amy ao relatar suas primeiras semanas de aula no Brasil. Após pouco tempo de convivência com colegas e com o apoio de professores, o português se tornou mais familiar para os adolescentes. Mas, após dois meses de aula, a chegada da COVID-19 mudou ainda mais sua rotina de estudos.

“Quando a pandemia chegou, nos avisaram por celular que deveríamos buscar livros para fazer as tarefas escolares e enviá-las de volta por meio digital ou presencialmente”, conta Anthony.

Com a nova rotina de estudos no abrigo temporário Rondon 2, o celular se tornou uma ferramenta indispensável para pesquisas, tradução e comunicação com os professores. “Eu usava o celular para pesquisar e para tradução. Também usei os livros da biblioteca da escola”, diz Amy. Anthony conta que a experiência não era a mais fácil. Falta de conectividade à internet e duração da bateria do celular foram alguns dos desafios enfrentados durante os estudos remotos.

“A palavra para este período é adaptar-se. Já estamos em outro país, tivemos que aprender outro idioma e tivemos que ter força para nos manter estimulados e estudando durante a pandemia. Logo iremos concluir o ano letivo, graças à nossa adaptação e ao apoio de nossos pais, que são professores. Estamos preparados para continuar estudando após nossa interiorização” conta Anthony com entusiasmo.

Para Maivy del Carmen (38), mãe de Amy e Anthony e professora de Engenharia Civil na Venezuela, poder ver seus filhos estudando e aprendendo o idioma local lhe traz muito orgulho e felicidade, ainda mais para ela que sabe o quão importante é a educação, principalmente quando conhecimento é tudo que lhe restou. “Fico muito feliz de ver meus filhos estudando mesmo com todas as dificuldades. Pedindo ajuda para conseguir internet disponível e continuar os estudos. Agora vamos ser interiorizados e já solicitamos a transferência para outra escola da rede pública onde começaremos uma nova vida”, diz Maivy que também está estudando português junto com o marido no abrigo Rondon 2.

Anthony apresenta suas pinturas durante sua primeira exibição artística no abrigo Rondon 2, na ocasião do Dia Mundial do Refugiado em 2020. ©ACNUR / Lucas Novaes

Amy e Anthony fazem parte de uma minoria estatística. De acordo com o relatório “Unindo Forças pela Educação de Pessoas Refugiadas”, recentemente lançado pelo ACNUR, apenas 31% dos jovens refugiados estão matriculados na escola secundária (equivalente ao ensino médio no Brasil).

Mesmo vivendo em condições adversas, a resiliência dos irmãos se reflete cada vez mais nos anseios para o futuro. “Logo faremos mais uma mudança quando formos interiorizados para outra região do Brasil, e esperamos continuar estudando onde quer que estivermos”, relata Amy. “Temos uma expectativa muito alta, tanto para nós dois, quanto para nossos pais que são professores. Nós temos nossos sonhos, essa próxima etapa nos dá muita esperança para continuar construindo nosso futuro. Minha mãe quer revalidar seu diploma como engenheira civil e encontrar um trabalho que goste. Assim, teremos capacidade de buscar um bom teto e viver num lugar tranquilo em família” concluem os irmãos.

Fora da escola e no abrigo, Anthony mostra seus dons artísticos com pintura e artesanato, mas seu sonho é ser dentista no Brasil. Já a Amy gosta muito de ensinar as crianças e pessoas mais velhas com matemática e uso de tecnologias. Para seu futuro, ainda pensa em que vai fazer, mas o gosto por tecnologia pode levá-la para esta área.

Fonte: www.acnur.org