(O refugiado congolês Alphonse Nyembo relatou que na República Democrática do Congo diversas crianças trabalham no extrativismo mineral. Foto: COMODO)
Na última terça-feira (29), quatorze pessoas vindas de diferentes contextos foram convidadas a compartilhar suas visões e experiências inspiradoras com um objetivo em comum: reforçar a importância da pluralidade para formação de uma sociedade mais justa e inclusiva. Três dos palestrantes, Alphonse e Basma que são refugiados, e Maha que é apátrida, contaram suas histórias e ofereceram à plateia, predominantemente brasileira, a oportunidade de conhecer realidades até então inimaginável à maioria.
O espaço que possibilitou esse encontro foi o TEDx São Paulo, que realizou uma sequência de palestras na capital paulista buscando promover o debate sobre importantes questões. As pessoas que subiram ao palco dividiram com o público histórias de superação, da criatividade proveniente das adversidades, das lutas diárias contra o racismo e violência de gênero, da intolerância religiosa, das dificuldades sociais de lidar com o que foge dos padrões, da importância de respeitar as diferenças e de romper com o silêncio para promover as mudanças necessárias.
O apresentador Cazé Peçanha foi o mestre de cerimônia do evento e ressaltou a importância da iniciativa. “É uma oportunidade especial para todos nós seres humanos, que estamos vivendo em um momento tão polarizado, de abrir espaço para as pluralidades”, disse o apresentador.
Uma das histórias mais impactantes foi a de Maha Jean Mamo, que é apátrida. Nascida no Líbano, ela é filha de sírios de religiões diferentes. Na Síria, seus pais nunca tiveram o casamento reconhecido já que a união civil entre cristãos e mulçumanos ilegal. Eles decidiram ir para o Líbano, mas lá também não puderam oficializar o casamento. Maha e seus dois irmãos nasceram em solo libanês, entretanto nunca puderam ser registrados uma vez que a lei no país estabelece que a nacionalidade deve ser passada de pais para filhos. Por esse motivo, tornaram-se apátridas e viveram por mais de vinte anos as difíceis consequências dessa condição. Maha chegou no Brasil há 2 anos como refugiada, recebeu sua documentação e atualmente trabalha como Gerente de Relações Internacionais.
Ao contar a sua história, Maha compartilhou com o público as dificuldades enfrentadas pelos apátridas e declarou seu apoio à campanha #IBelong, do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, que tem a meta de recolher dez milhões de assinaturas e acabar com a apatridia até 2024. “Vou continuar lutando por mim, pelos meus irmãos e pelas 10 milhões de pessoas que atualmente não têm nacionalidade em todo o mundo”, disse ela.
Alphonse Nyembo, refugiado da República Democrática do Congo, também compartilhou sua história. Ele vive no Brasil desde 2012, é graduado em jornalismo e mecatrônica, e atualmente dá aula de idiomas e trabalha em uma operadora de turismo. Alphonse explicou que um dos motivos do conflito que já dura mais de 20 anos em seu país de origem, que já matou milhões de pessoas e o forçou a se se refugiar no Brasil é a extração de coltan, minério utilizado na fabricação de dispositivos eletrônicos. Na República Democrática do Congo, o extrativismo é muitas vezes realizado por crianças e adolescentes.
Ele alertou ainda que os atuais hábitos de consumo, que muitas vezes parecem inofensivos, refletem na realidade de muitas pessoas que vivem no continente africano. “ Se a sociedade se disponibilizar a aproveitar a máxima vida útil de seus dispositivos eletrônicos, o futuro do meu país e de muitos outros países na África mudará”, disse Alphonse.
O congolês encerrou a sua palestra mostrando a foto de algumas crianças conterrâneas em uma imagem que remetia a um pedido de ajuda. Ele reivindicou que as pessoas se informem antes de comprar produtos e se certifiquem que as empresas escolhidas não financiem grupos armados e de exploração infantil.
A refugiada marroquina Basma El Halabi, que vive no Brasil há um ano e meio, contou que foi forçada a deixar o seu país devido à violência sexual e de gênero. “Fui abusada psicologicamente a vida inteira por ser mulher”. Ela disse que as mulheres em seu país sofrem abusos na rua, no ambiente de trabalho ou mesmo dentro de suas casas e que o medo e a falta de autonomia fazem parte da realidade delas.
Quando ainda vivia no Marrocos, se formou em hotelaria e gastronomia. Hoje no Brasil, trabalha com culinária árabe, está casada e se sente feliz. “Quero que os meus filhos cresçam em uma cultura onde há respeito mútuo”, ela disse.
A história de Basma é comum a outras tantas mulheres no mundo, e o combate à violência sexual e de gênero é o objetivo da campanha 16 Dias de Ativismo Pelo Fim da Violência contra as Mulheres, que neste ano traz o tema “Prevenindo e enfrentando a violência sexual”. Hoje, cerca de 150 países desenvolvem esta campanha que acontece do dia 25 de novembro até o dia 10 de dezembro e tem o objetivo combater a violência de gênero. No Brasil, ela acontece desde 2003, por meio de ações de mobilização e esclarecimento sobre o tema.
A tarde de palestras também foi permeada por apresentações artísticas e musicais. Uma delas foi a banda Mazeej, que é composta por refugiados, migrantes e brasileiros. O resultado dessa fusão cultural de talentos é um som rico em referências e ritmos, que levantou, contagiou e encantou a plateia.
O TED é uma organização sem fins lucrativos que tem o objetivo de promover ideias que merecem ser espalhadas por meio de palestras. Iniciado há 31 anos com uma conferência que durou quatro dias na Califórnia, o projeto cresceu para apoiar ideias que mudam o mundo por meio de múltiplas iniciativas. O formato TEDx, que foi realizado em São Paulo, é um programa de eventos locais organizados de maneira independente para gerar discussões profundas e conectar pessoas.
A sugestão da participação de refugiados e apátridas no TEDx foi uma iniciativa do Migraflix, que nos últimos anos tem desenvolvido diversos projetos com o apoio do ACNUR. O Migraflix é uma equipe composta por refugiados, imigrantes e brasileiros que acreditam na possibilidade de viver em uma sociedade mais justa e inclusiva, e para isso desenvolvem projetos e workshops que permitem e incentivam a troca de experiências interculturais. Uma dessas ações foi o Creatathon, que na última semana premiou propostas para solucionar desafios de acolhimento de refugiados e migrantes em São Paulo.