A cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, um dos epicentros da recente e devastadora crise climática que atingiu o estado, sediou nos dias 21 e 22 de novembro duas oficinas com o tema “Caminhos da Justiça Climática e Deslocamentos Humanos”. A iniciativa faz parte do Projeto Clima e Deslocamentos Humanos – Projeto Nansen 2024, coordenado pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
A oficina reuniu refugiados e migrantes, com foco especial em mulheres e lideranças de associações locais, para dialogar sobre os impactos dos deslocamentos forçados por questões climáticas e outras vulnerabilidades. O encontro busca não apenas reconhecer as dificuldades enfrentadas, mas também construir propostas concretas para o futuro.
A metodologia dos caminhos: Transformando dor em proposta
A oficina é inspirada nos ensinamentos de Irmã Rosita Milesi, fundadora do IMDH, que recebeu em 2024 o Prêmio Nansen. O facilitador Robert Montinard, do Haiti, fala sobre a metodologia dos encontros. “Essa oficina é baseada no conceito dos caminhos, e isso vem da palavra da própria irmã Rosita, que nos ensinou que o caminho se faz caminhando.”
Bob ressaltou que a essência do projeto não é impor conhecimento, mas sim extrair a sabedoria e as experiências dos participantes. A oficina já passou pelo Rio de Janeiro, Belém do Pará e Manaus. “A gente não vem aqui para ensinar, para passar conhecimento, mas a metodologia ofereceu oportunidade para eles compartilharem todas as suas experiências de vida. A gente fala sobre as pedras no caminho, que a gente sabe as dificuldades que todo mundo teve nesse processo de deslocamentos, pelas questões das mudanças climáticas, mas também pelas outras situações.”
A etapa seguinte é a de “caminhos da resistência”, onde são identificadas as lutas e iniciativas dos grupos. Bob manifestou grande satisfação com a participação feminina expressiva no evento em Canoas. “Aqui tem mais de três associações, 90% do público é mulher. Então, é uma coisa que nos deixa muito felizes, sabendo da importância que as mulheres têm, e que este projeto tem um foco nas pessoas afetadas, nas pessoas vítimas, para dar voz, para escutar, para trazer um pouco as experiências dessas pessoas, transformar a dor em proposta.”
O ciclo da metodologia culmina nos “Caminhos das Horizonte”, as propostas que as pessoas afetadas gostariam de apresentar às autoridades. Entre as demandas, destacam-se ações de saúde mental, apoio às famílias e às crianças.
Foco na saúde mental pós-catástrofe
A importância de um olhar humanitário imediato e a longo prazo foi reforçada por Kanhanga Silva, presidente da Associação Casa dos Imigrantes e Refugiados do RS, que esteve na linha de frente durante a enchente na região.
“Nós, como os imigrantes, somos uma população que, na sua maior parte, vive já em territórios vulneráveis e que são as primeiras vítimas de todas essas mudanças climáticas. O ano passado, a gente teve que se duplicar, exercer um esforço máximo para poder atender a nossa população,” relatou Kanhanga.
Ele destacou que, após a garantia da vida e do abrigo, o foco se volta para as consequências emocionais e psicológicas das vítimas. “O que a gente traz dentro de uma oficina como essa é justamente a gente poder ter o mecanismo de pensar quais são as soluções a nível de saúde mental que a gente deve trazer como perspectiva para essa população que foi vítima das enchentes. São situações que deixam marcas, deixam traumas e que precisam ser trabalhadas. E se a gente não conseguir esse espaço de poder trabalhar a saúde mental, essas marcas vão se tornar problemas no futuro”, destacou o líder comunitário.
O projeto Nansen, através destas oficinas, consolida o compromisso do IMDH e do ACNUR em dar voz e dignidade às pessoas em situação de deslocamento, transformando as suas vivências em um plano de ação para a justiça climática e humanitária no Brasil.