Das diferenças entre os Institutos Jurídicos do Asilo e do Refúgio

O asilo é um instituto bastante antigo. Encontramos regras bem definidas sobre sua aplicação desde a Grécia Antiga, Roma, Egito, na Civilização Muçulmana, junto aos povos Anglo-Saxônicos, etc.

 

Luiz Paulo Teles F. Barreto

O asilo é um instituto bastante antigo. Encontramos regras bem definidas sobre sua aplicação desde a Grécia Antiga, Roma, Egito, na Civilização Muçulmana, junto aos povos Anglo-Saxônicos, etc.

O caráter religioso marcou a concessão do asilo nos tempos antigos. O respeito e temor aos templos e divindades faziam dos locais sagrados lugares de proteção contra violências e perseguições.

O asilo beneficiava, em geral, os criminosos comuns, já que naquela época a proteção a dissidentes políticos de regimes imperialistas constituiria ato de afronta entre Nações. Os crimes políticos eram mais graves do que os comuns, já que consistiam em atos contra os regimes, contra os governos, contra os soberanos.

Com a criação e o desenvolvimento do sistema de embaixadas, o asilo passou a ter caráter diplomático, baseado na teoria da extraterritorialidade. Atribuiu-se, assim, ao embaixador a prerrogativa de conceder asilo nos limites de sua embaixada ou residência.

A partir da Revolução Francesa, com o desenvolvimento dos ideais de liberdade e direitos individuais, é que começou a se consolidar a aplicação do asilo a criminosos políticos e a extradição de criminosos comuns.

Com o desenvolvimento das relações estatais e com a ampliação dos problemas populacionais e de criminalidade, consolidou-se a necessidade de maior cooperação internacional no combate ao crime, passando a ser inaceitável a proteção do Estado a criminosos comuns estrangeiros.

A partir desses fatos é que o asilo passou a constituir importante instrumento internacional de proteção ao indivíduo perseguido.

O conceito jurídico de asilo na América Latina é originário do Tratado de Direito Penal Internacional de Montevidéu, de 1889, que dedica um capítulo ao tema.

Inúmeras outras convenções ocorreram no continente sobre o asilo, tais como:

– Convenção sobre Asilo Assinada na VI Conferência Pan-americana de Havana, em 1928;
– Convenção sobre Asilo Político, VII Conferência Internacional Americana de Montevidéu, em 1933;
– Tratado sobre Asilo e Refúgio Político de Montevidéu, em 1939; e
– Convenção sobre Asilo Diplomático, X Conferência Interamericana de Caracas, em 1954.

O asilo diplomático, assim, é instituto característico da América Latina. É certo, contudo, que outros países praticam o asilo diplomático esporadicamente, não o reconhecendo, todavia, como instituto de Direito Internacional.

Esporádicos casos de asilo diplomático ainda ocorreram na Europa, nos séculos XIX e XX, em proteção a criminosos políticos, geralmente sob intensos protestos dos países de onde se originavam as perseguições. Isso fez com que o instituto praticamente deixasse de existir no continente.

Já na América Latina, o asilo diplomático sempre foi amplamente praticado, provavelmente por causa da constante instabilidade política na região, com sucessivas revoluções, havendo, assim, a necessidade de se conceder proteção aos chamados criminosos políticos.

O asilo diplomático pode ser concedido nas legações, nos navios, aeronaves e acampamentos militares.

A concessão do asilo diplomático, contudo, não implica necessariamente na outorga de asilo territorial.

É certo que diante da retirada do asilado da missão diplomática e seu ingresso no território nacional, fica clara a presunção de que o governo já verificou as condições que justificam a concessão do asilo. Nesse caso, a situação já estará definida e o estrangeiro permanecerá sob a condição de asilado.

Entretanto, um estrangeiro que tenha buscado guarida em missão diplomática, e não estando o País disposto a conceder-lhe o asilo territorial, pode ser encaminhado a outro Estado que consinta em recebê-lo.

O asilo territorial depende de legislação interna e deve ser solicitado em local de jurisdição do Estado concedente.

A Constituição Federal de 1988 declara em seu art. 4º que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios da “prevalência dos direitos humanos e da concessão do asilo político”.

O asilo político é tratado, ainda, em título próprio da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que dispõe que o estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político ficará sujeito, além dos deveres que lhe forem impostos pelo Direito Internacional, a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o Governo brasileiro lhe fixar.

Já o refúgio, em que pese ter a mesma origem histórica do asilo, desenvolveu-se de forma independente.

A situação dos asilados e refugiados é tão antiga como a própria história, mas a efetiva proteção aos refugiados pela comunidade internacional somente surgiu com a Sociedade de Nações.

Com o fim da 1ª Guerra Mundial, o mundo viu-se diante de grandes problemas de movimentos massivos relacionados, principalmente, com a Revolução Russa e o desmoronamento do Império Otomano.

Naquela época, a comunidade internacional teve que enfrentar o problema de definir a condição jurídica dos refugiados, organizar o assentamento ou repatriação em vários países e realizar atividades de socorro.

Com a 2ª Guerra Mundial, o problema dos refugiados tomou proporções jamais vistas, com o deslocamento de milhões de pessoas por diversas partes do mundo.

Em 1943, os aliados criaram a UNRRA – Administração de Socorro e Reabilitação das Nações Unidas.

No mesmo ano, realizou-se a Conferência de Bermudas, que ampliou a proteção internacional, definindo como refugiados “todas as pessoas de qualquer procedência que, como resultado de acontecimentos na Europa, tiveram que abandonar seus países de residência por terem em perigo suas vidas ou liberdade, devido a sua raça, religião ou crenças políticas”.

Em 1946, a Assembléia Geral das Nações Unidas estabeleceu os seguintes princípios, próprios da condição de refugiado:

1 – o problema dos refugiados tem alcance e caráter internacional;
2 – não se deve obrigar o regresso ao país de origem aos refugiados que expressarem objeções válidas ao retorno;
3 – um órgão internacional deveria ocupar-se do futuro dos refugiados e pessoas deslocadas; e
4 – tarefa principal consistiria em estimular o pronto retorno dos refugiados a seus países e ajudá-los por todos os meios possíveis.

Em 1947, é criada a Organização Internacional de Refugiados (OIR), para tratar dos problemas residuais dos refugiados depois da 2ª Guerra Mundial. Era o primeiro organismo internacional que se ocupava de todos os problemas dos refugiados.

Em dezembro de 1947 foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR, com a função de proporcionar proteção internacional aos refugiados. Trata-se de uma instituição apolítica, humanitária e social.

Em 1951, por fim, é aprovada a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados.

Em seu art. 1º, a Convenção de 1951 define refugiado como toda pessoa que como resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e devido a fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, por pertencer a determinado grupo social e por suas opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira recorrer a proteção de tal país; ou que, carecendo de nacionalidade e estando, em conseqüência de tais acontecimentos, fora do país onde tivera sua residência habitual, não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira regressar a ele.

Aqui se verifica que a noção de refúgio é diversa da do asilo, aplicado na América Latina.

A Convenção de 1951, entretanto, estava limitada no tempo, pois somente se aplicava aos refugiados que passaram a ter tal condição como resultado dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951. Parece ter sido essa Convenção aprovada para solucionar os casos de refúgio surgidos na 2ª Guerra Mundial. Por outro lado, parecia também claro que o problema dos refugiados não vislumbrava solução a curto prazo e os institutos previstos na Convenção de 1951 perpetuaram-se no tempo e no espaço.

Para que seus dispositivos continuassem a ter aplicação, foi aprovado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1967. O Protocolo omite as palavras “como resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951”, que aparecem na Convenção, tornando, assim, aplicáveis seus dispositivos a casos futuros.

Mas o próprio art. 1º da Convenção de 1951, ao considerar como refugiados as vítimas de acontecimentos ocorridos na Europa, deixou de ser aplicado na América Latina aos refugiados locais, que se utilizavam dos instrumentos sobre asilo elaborados na própria região.

Por tal razão é que o ACNUR, até fins dos anos 60, apenas auxiliava na recepção e integração de refugiados europeus.

No início dos anos 70, o ACNUR intensificou sua atuação na América Latina.

Posteriormente, diversas e importantes ações do ACNUR foram empreendidas na região, notadamente na América Central.

A principal diferença entre os institutos jurídicos do asilo e do refúgio reside no fato de que o primeiro constitui exercício de um ato soberano do Estado, sendo decisão política cujo cumprimento não se sujeita a nenhum organismo internacional. Já o segundo, sendo uma instituição convencional de caráter universal, aplica-se de maneira apolítica, visando a proteção de pessoas com fundado temor de perseguição.

Uma diferença prática que se pode perceber é que o asilo normalmente é empregado em casos de perseguição política individualizada. Já o refúgio vem sendo aplicado a casos em que a necessidade de proteção atinge a um número elevado de pessoas, onde a perseguição tem aspecto mais generalizado.

De fato, o asilo normalmente decorre de casos particulares, onde o indivíduo é vítima de perseguição pessoal por motivos de opinião ou de atividades políticas. Quando a dissidência política acarreta perseguição, procura um país onde estará protegido. É comum sua concessão à personalidades notórias.

Já nos casos de refúgio, normalmente o indivíduo está fugindo de agressões generalizadas, dando origem na maioria das vezes a fluxo massivo de população que atravessa a fronteira em busca de proteção. Ocorre também em casos de ocupação ou dominação estrangeira, violação dos direitos humanos ou acontecimentos que alterem gravemente a ordem pública interna no país de origem.

Esse conceito ampliado, que corresponde à realidade vivenciada pela Comunidade Internacional, foi definido pela Declaração de Cartagena, com vistas à tentativa de solucionar, de maneira justa e humanitária, o problema dos refugiados centro-americanos.

Parece ser esta a diferença fundamental: O asilo configura uma relação do indivíduo perseguido com o Estado que o acolhe. Já o refúgio decorre do abalo da estrutura de determinado país ou região, gerando potenciais vítimas de perseguições que têm seus direitos humanos ameaçados, sendo objeto de preocupação da comunidade internacional.

Na prática surgem outras diferenças:

O asilo é uma instituição que visa à proteção frente a perseguição atual e efetiva. Já nos casos de refúgio é suficiente o fundado temor de perseguição.

Como vimos, o asilo pode ser solicitado no próprio país de origem do indivíduo perseguido. O refúgio, por sua vez, somente é admitido quando o indivíduo está fora de seu país.

Ao decidir se concede ou não o asilo, não fica adstrito o país ao fato de ter ou não o indivíduo perseguido atuado contra as finalidades e princípios das Nações Unidas, não sendo essa atuação causa de exclusão do benefício, como ocorre no refúgio.

A concessão de asilo possui caráter constitutivo, já o reconhecimento da condição de refugiado é ato declaratório.

Para solicitar asilo, o estrangeiro deve procurar a Polícia Federal no local onde se encontra e prestar declarações, onde serão justificados os motivos da perseguição que sofre. O processo, então, é submetido ao Ministério das Relações Exteriores para pronunciamento. A decisão final é proferida pelo Ministro da Justiça. Posteriormente, o asilado é registrado junto à Polícia Federal, onde presta compromisso de cumprir as leis do Brasil e as normas de Direito Internacional.

A solicitação de refúgio, de forma diversa, tem início na  Polícia Federal, onde são tomadas por termo declarações que o solicitante presta à autoridade imigratória. Por ocasião da formalização de declarações, o solicitante é informado de que deverá comparecer à sede da Cáritas Arquidiocesana, no Rio de Janeiro e em São Paulo, para preencher um questionário onde estarão contidos os dados relativos à identificação completa, qualificação profissional, grau de escolaridade, bem como relato das circunstâncias e fatos que fundamentam o pedido de refúgio, inclusive, se possível, com a indicação de elementos de prova pertinentes. Manifestada a vontade de solicitar refúgio o estrangeiro será entrevistado por um funcionário da Coordenação-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE. Informado o processo, o caso é submetido à apreciação do Comitê, órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça, que decidirá quanto ao reconhecimento ou não da condição de refugiado.

Tanto nos casos de asilo, quanto nos de refúgio, ao estrangeiro é fornecido documento de identidade e carteira de trabalho, ficando assegurado o exercício de todos os direitos civis de um estrangeiro residente no País.

Quando necessário, ao asilado e ao refugiado, pode ser concedido passaporte brasileiro e autorização para viagem ao exterior.

Existem algumas semelhanças entre os institutos do asilo e do refúgio, que convém destacar:

Tratam-se de instituições relacionadas com a proteção da pessoa humana vitimada por perseguições.

Não há obrigatoriedade do Estado em conceder asilo ou refúgio, posto que não constituem direito subjetivo do estrangeiro. São concessões do Estado no exercício do seu poder discricionário e não direitos dos indivíduos.

Tanto o asilo como o refúgio não estão sujeitos à reciprocidade e protegem indivíduos independentemente de sua nacionalidade.

Ambos os institutos excluem a possibilidade de extradição.

Pode-se afirmar, enfim, que o asilo, a nível universal, pode ser considerado como um instituto dentro do qual aparecem outros: o asilo como tradição latino-americana e o refúgio de caráter universal.

A principal semelhança, todavia, é que tanto em um como em outro, verificamos que a intolerância não constrói a dignidade de um povo, mas, ao contrário, faz com que milhões de pessoas tenham de deixar seus países em busca de proteção à vida e à liberdade, que jamais deveriam estar ameaçadas.

A consolidação dos princípios de Direitos Humanos constitui um grande passo para reduzir a intolerância que provoca instabilidade em diversas regiões do mundo. Essa intolerância impede o discernimento dos homens de que diferenças de raça, credo, nacionalidade, grupo social ou opinião política não podem constituir razões para perseguições.

É possível que, no futuro, outras gerações jamais consigam entender como o homem do final do milênio, que rompeu fronteiras com a globalização, que aproximou as distâncias com as redes de informática, que esbanjou tecnologia, não conseguiu evitar que milhões de semelhantes, esquálidos e em desespero, atravessassem fronteiras em busca de um único bem: a liberdade.

Luiz Paulo Teles F. Barreto é Secretário-Executivo do Ministério da Justiça, ex-diretor do Departamento de Estrangeiros, da Secretaria Nacional de Justiça e Presidente do Comitê Nacional para os Refugiados.