Iniciativa da Cáritas Brasileira, o Migra Segura vai trazer orientações para fortalecer o acolhimento no Brasil e no Equador.
É muito difícil tomar a decisão de deixar o lugar onde nascemos, pois ali ficam as memórias afetivas e os laços de origem. E da mesma forma que não é fácil decidir por sair, a chegada em um lugar estrangeiro, em diversos aspectos, é um desafio para muitos e muitas migrantes. Aos migrantes venezuelanos, as dimensões das fronteiras brasileiras, cobertas pela floresta amazônica, impõem viagens muito desgastantes e cansativas. Anda-se muito até chegar nas primeiras cidades. No fluxo da migração para outros países latinos, como para o Equador, as distâncias são ainda maiores – é preciso atravessar um outro país inteiro, no caso Colômbia, para se estabelecer.
Os migrantes chegam esgotados e na maioria das vezes sem saber o que fazer, para onde ir ou a quem pedir ajuda. Mas as distâncias gigantescas não estão apenas nas rotas e nas estradas. Talvez as mais difíceis distâncias estejam nas relações com as pessoas nativas e com as culturas estrangeiras. A tensão social e a xenofobia são problemas constantes enfrentados pelas pessoas que deixam seus países. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 5 milhões de pessoas já saíram da Venezuela em um ritmo de migração de proporções dramáticas.
No Brasil e no Equador, há mais de 680 mil venezuelanos migrantes, muitos deles sem informações básicas para organizar suas vidas, o que intensifica a questão. São informações muito importantes e vitais para a cidadania, como documentação legal, acesso aos serviços básicos de saúde, ofertas de emprego, moradia, entre outros. “É nesse contexto que surge o Projeto Migra Segura. A nossa grande pergunta era: como contribuir para que as pessoas migrantes venezuelanas pudessem migrar com segurança?”, destaca Cristina dos Anjos, coordenadora do projeto. Ela lembra que “o tema migratório sempre esteve presente dentro da rede Cáritas, dentro da confederação.
Algumas Cáritas, em diferentes países, como na Alemanha, já nasceram tendo como ação principal o apoio a migrantes. Na Cáritas Brasileira, embora mais recentemente a migração se tornou um tema nacional, nós temos Cáritas, a nível de Dioceses, com quase cinquenta anos que desenvolve ações com migrantes e refugiados. Quando as pessoas chegam em outros países, eles precisam muito de apoio para organizar suas vidas. É um público muito vulnerável. E a questão da defesa de direitos é um elemento super importante nesta ação.”
O projeto
Na América Latina e no Caribe, há uma articulação do trabalho eclesial com migrantes, refugiados e vítimas de tráfico humano, da qual a Cáritas Brasileira e a Cáritas Equador fazem parte – a rede Clamor. A partir de um mapeamento realizado pela rede, foram revelados mais de 600 espaços de acolhimentos vinculados às entidades eclesiais em nosso continente. “Foi daí que o Migra Segura começou a ganhar forma – uma plataforma virtual com orientações aos migrantes que pudesse ser acessada através de celulares, tablets ou de computadores”, revela Cristina.
Com a pandemia de Covid-19, o acesso à informação tornou-se ainda mais importante para salvar vidas e fornecer segurança aos migrantes que, em muitos casos, não se beneficiam das respostas sanitárias dos governos. No Migra Segura, será possível encontrar orientações sobre legislações, sobre espaços de acolhimento, indicações das redes socioassistenciais, entre outros. Durante sua fase piloto, o Migra Segura pretende beneficiar 56 mil migrantes no Brasil e no Equador.
A partir de uma pesquisa deste ano realizada a nível regional pelo ACNUR e IFRC, alguns dados conseguem revelar qual o nível de conexão à internet dessa população. Segundo o levantamento, 70% dos migrantes venezuelanos tem acesso a um telefone celular. No entanto, 57% tem dificuldade em encontrar uma rede Wi-Fi pública e apenas 29% tem acesso a uma rede Wi-Fi. “Estamos buscando parcerias para disponibilizar internet, possibilitando que os migrantes possam se conectar e usar a plataforma”, informa Cristina.
O Migra Segura é uma iniciativa da Cáritas Brasileira em parceria com Cáritas Equador, financiada pela USAID e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, com o apoio do Catholic Relief Services – CRS, através do BetterTogether Challenge, iniciativa global de soluções inovadoras. Nesta quarta-feira, 21 de outubro, às 13h, a Cáritas apresentará o projeto no evento virtual “Looking Back, Looking Forward: como abordar a crise migratória da Venezuela com inovação”, um momento de celebração do BetterTogether Challenge, realizado na Escola de Serviço Estrangeiro da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. Para participar, faça sua inscrição aqui: https://is.gd/Cy1eIc
Regularização migratória
Um exemplo prático da dificuldade enfrentada no início da jornada por outros países é a complexidade ou a burocracia que são organizadas as informações sobre regularização migratória. No caso do Brasil, a legislação sobre migração e refúgio é bastante avançada e referência para outros países da região, segundo Thamirys Lunardi, coordenadora do projeto no país. Segundo ela, “a nova lei de migração, aprovada em 2017, inovou o ordenamento jurídico brasileiro ao reconhecer o migrante como sujeito de direitos e a enxergar a migração sob a égide dos direitos humanos.
No entanto, apesar do robusto conjunto de normas, as informações acerca dos processos de regularização migratória ainda são apresentados de forma complexa para os migrantes e refugiados, e por serem constantemente atualizadas por legislação infralegal, há muita dificuldade no acesso a informação e na compreensão das informações disponíveis.” Thamirys destaca que o Migra Segura trará informações “adaptadas e sob medida” para a compreensão da população venezuelana, sempre atualizadas. “Esperamos que os migrantes e refugiados utilizem a plataforma para tomar decisões informadas acerca de seus processos de regularização migratória e sobre outros aspectos da vida no Brasil.”
A migração venezuelana para o Equador
De acordo com Karina Villacís, da coordenação do projeto no Equador, dos principais problemas enfrentados pelos migrantes venezuelanos que chegam ao país, a discriminação é um destaque, o que dificulta a integração: “por ser um país que carece de fontes de emprego formal, os equatorianos tendem a discriminar todos os migrantes, não apenas os venezuelanos. Uma alta porcentagem de equatorianos se dedica ao comércio informal e consideram que os migrantes ocupam suas fontes de trabalho, por isso há muita rejeição. Outra é a questão cultural, os costumes, os hábitos, entre outros que prejudicam a integração”.
Para Karina, a discriminação também interfere na obtenção de vistos, além dos custos com o procedimento. Outro problema é o acesso a empregos. Segundo ela, “a maioria está envolvida no comércio informal. Quem tem carteira assinada também tem dificuldades porque muitas vezes seus direitos trabalhistas não são respeitados, os salários são menores, não tem acesso à previdência social e há exploração do trabalho com aumento de horas sem remuneração extra”.
Com o demanda por trabalho com tanta pressão, os migrantes acabam não conseguindo custear suas vidas no novo país. Muitos inclusive, como no Brasil, acabam em situação de rua. “Eles são despejados de suas casas alugadas por não terem recursos para quitar os aluguéis. Isso se tornou mais visível nos meses de pandemia e confinamento. Várias famílias foram expulsas de suas casas por não terem recursos para saldar suas dívidas. Há milhares de famílias com crianças pedindo caridade nas ruas. Eles não têm outra escolha, não há trabalho.”, afirma Villacís.
Para Karina, “é muito importante ter um site onde os migrantes possam acessar informações confiáveis. Tem muita coisa na rede, mas ter um espaço onde eles possam informar sobre tudo é muito importante para eles. O acesso à informação fiável também é um direito e considero fundamental que visemos a integração deste grupo populacional com esta plataforma.” Ela lembra ainda que ação se encontra na visão da Cáritas, da Igreja no Equador e no mundo: “é muito importante acompanhar esta população forçada a abandonar suas casas e países, por diversos motivos. Nosso Papa nos diz para acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e refugiados de forma integral, sem deixar ninguém de fora, sem excluir ninguém.”
Empoderamento
O Migra Segura recebe o apoio do Catholic Relief Services a partir do programa EMPOWER, “que fornece apoio técnico e acompanhamento a organizações locais e nacionais na América do Sul, Caribe e América Central para fortalecer a capacidade institucional de programar a resposta humanitária a emergências”.
A organização, que tem apoiado as necessidades dos migrantes e refugiados por mais de 75 anos, evidencia que “a história da humanidade é uma história do povo de Deus em movimento. Devido ao número sem precedentes de deslocados, projetos como o Migra Segura se integram à estratégia do CRS, oferecendo oportunidades para quem teve que deixar seu país de origem em busca de segurança e bem-estar para suas famílias. Um dos nossos objetivos é ‘que todas as pessoas sobrevivam e prosperem diante dos desastres’, incluindo as populações que abandonaram suas casas devido à pobreza, conflitos violentos e desastres naturais.”
O CRS e o programa EMPOWER destacam que “em todo o mundo, 1 em cada 110 pessoas foi forçada a fugir de sua casa para outro país (ACNUR). As pessoas fogem quando sentem que não têm outra escolha. Migrantes e refugiados só querem encontrar um lugar seguro para se reagrupar e reconstruir e, com sorte, um dia voltar para seus países ou encontrar um novo lugar para chamar de ‘casa’. O Papa Francisco nos convida a deixar a atitude de indiferença para com as pessoas desesperadas para fugir da pobreza e da perseguição.”
Fonte: Cáritas