O Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) recebe com esperança a publicação do Decreto nº 12.657/2025, que institui a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia. Este marco representa mais um passo importante na conquista pela qual lutamos há décadas, que é o estabelecimento de uma Política de Estado sobre a temática das migrações e do Refúgio.
O IMDH, ao longo de 25 anos, tem atuado ininterruptamente na atenção aos refugiados e migrantes, e também na incidência (advocacy), buscando sempre promover avanços nas disposições legais sobre o tema. Neste sentido, tivemos participação ativa na elaboração da Lei de Migração (Lei 13.445/2017), e após aprovada, seguimos em articulação com o Poder Executivo, a fim de obter o cumprimento do que prevê ao Artigo 120 da referida Lei. Eis porque, neste momento, celebramos a publicação do Decreto 12.657/2025. O Brasil possui, agora, vigente Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia.
Celebramos os avanços conquistados
O decreto traz elementos fundamentais que refletem princípios pelos quais trabalhamos há décadas. O reconhecimento de pessoas migrantes, refugiadas e apátridas como agentes de desenvolvimento econômico e social representa superação de visões securitárias que ainda permeiam debates migratórios em diversos países. A ênfase no trabalho decente, na qualificação profissional e no combate à exploração laboral corresponde à dimensão central da integração que o IMDH busca desenvolver através do eixo de integração comunitária e econômica.
A determinação de que todas as áreas do governo atuem de forma articulada e sensível à diversidade cultural reflete a abordagem integral que o IMDH pratica através dos seis eixos de atuação: acolhida socioassistencial, proteção e documentação, inserção educacional, integração econômica, incidência política e ação pastoral. O compromisso com grupos em maior vulnerabilidade – crianças, idosos, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+ – reflete sensibilidade essencial às políticas de acolhimento.
Contribuições para o Plano Nacional
Considerando que o Decreto Nº 12.657/2025 estabelece o prazo de 90 dias para a elaboração do Plano Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, seguem alguns pontos que apresentamos para reflexão:
Dimensão Climática: Sugerimos a incorporação de protocolos específicos para deslocamentos relacionados a eventos climáticos extremos. As enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul em 2024 e as secas históricas na Amazônia demonstram que a crise climática já provoca deslocamento forçado de milhares de pessoas. O IMDH, em parceria com o ACNUR, está iniciando o Projeto decorrente do Prêmio Nansen de Refugiados 2024, concedido à Ir. Rosita Milesi. A opção pelo Tema “Clima e Deslocamentos Humanos” decorre exatamente dos grandes desafios que a questão climática provoca. Refletir e traçar protocolos sobre esta temática é uma urgência. O IMDH, com o referido Projeto está promovendo oficinas formativas em quatro regiões brasileiras, alcançando participantes refugiados, migrantes e brasileiros, crianças e adultos, e espera elaborar sugestões concretas a partir das experiências vividas pelas próprias comunidades afetadas.
Participação Social Efetiva: O decreto menciona participação de organizações da sociedade civil e das próprias pessoas refugiadas e migrantes. Sugerimos que o Plano Nacional detalhe mecanismos concretos: integração das 60 sugestões da segunda Comigrar, criação de espaços de escuta, representação paritária nos colegiados e garantia de que pessoas com experiência vivida de migração e refúgio participem das instâncias decisórias. Políticas públicas efetivas nascem do diálogo entre governo, sociedade civil, academia e, fundamentalmente, das próprias pessoas refugiadas e migrantes.
Sustentabilidade Financeira: Para que as diretrizes não permaneçam apenas no papel, propomos a previsão de dotação orçamentária específica, estabelecimento de fontes de financiamento claras e sustentáveis, metas de investimento por eixo de atuação e previsão de recursos para organizações da sociedade civil que executam políticas de acolhimento no território.
Fortalecimento dos Entes Federativos: O decreto reconhece a centralidade dos Estados, Distrito Federal e Municípios. É de suma importância estabelecer diretrizes para políticas locais, incentivar a replicação de experiências exitosas como a Lei Distrital para População Imigrante (2024), assim como já ocorre em outros Estados. O IMDH, quando apresentou ao poder legislativo a proposta de adoção de uma lei de Política Migratória no DF, tinha presente a importância de disposições legais e medidas administrativas de integração dos refugiados e migrantes, pois é no âmbito local que mais se efetiva a verdadeira integração.
Sistema Integrado de Monitoramento: Propomos criação de sistema único integrado entre diferentes órgãos federais, estabelecimento de indicadores claros e mensuráveis, desagregação de dados por gênero, idade, nacionalidade e situação migratória, e publicação periódica de relatórios acessíveis ao público. Políticas baseadas em evidências exigem sistemas robustos de coleta e análise de informações.
Enfrentamento à Xenofobia: Em contexto global marcado pelo crescimento da xenofobia, sugerimos campanhas nacionais de sensibilização, programas de letramento migratório em escolas, protocolos de enfrentamento a discursos de ódio e fortalecimento de iniciativas de diálogo intercultural.
Os próximos 90 dias serão decisivos. O Plano Nacional tem o potencial de transformar diretrizes em ações concretas que melhorem efetivamente a vida de milhares de pessoas refugiadas, migrantes e apátridas em nosso País. Desejamos reiterar a proposta de envolvimento da sociedade civil e, sobretudo, das associações ou grupos de refugiados e migrantes. Envolvendo quem vive a trajetória e o desafio da integração em um novo país, estaremos ouvindo e planejando com a concretude do processo migratório e de refúgio.
Sabemos que por trás de cada deslocamento forçado existe uma história humana que merece ser considerada e ser tratada na ótica da proteção e de oportunidade de reconstrução. A experiência do IMDH de mais de 25 anos, assim como de tantas outras instituições parceiras e integrantes de nossas redes (RedeMiR, Rede CLAMOR) nos garante que as pessoas refugiadas e migrantes não são um problema a ser gerenciado, mas uma história a ser respeitada e um futuro a ser construído. A elaboração do Plano Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia é a oportunidade que temos de honrar e levar à prática os princípios consagrados na Constituição Federal e na Lei e Decreto da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia. Tenhamos presente que construir pontes e não muros é nosso compromisso. A dignidade humana precisa resistir e primar, sejam as pessoas refugiadas, migrantes, apátridas ou nacionais.
Instituto Migrações e Direitos Humanos
25 anos construindo pontes entre quem chega e o futuro que todos merecemos
Brasília, 9 de outubro de 2025