Grupo de 18 homens idosos refugiados e migrantes são recebidos em abrigo do município de Nova Iguaçu (RJ), em iniciativa pioneira para este perfil de proteção específica.
Na última quarta-feira (25), os olhos do venezuelano Oswaldo, de 65 anos, estavam atentos ao que via pela janela do ônibus durante o deslocamento entre o aeroporto internacional do Rio de Janeiro e seu novo lar, a Casa de Acolhida do Imigrante Jardim Paraíso, em Nova Iguaçu (RJ).
Oswaldo é um dos 18 senhores venezuelanos maiores de 60 anos que foram recebidos no abrigo municipal preparado especialmente para pessoas refugiadas e migrantes da terceira idade, num novo desdobramento da estratégia de interiorização conduzida pelo governo federal e apoiada pelo ACNUR, outras agências da ONU e organizações da sociedade civil.
A iniciativa se concretizou por meio de uma parceria entre a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e a Secretaria Municipal de Assistência Social de Nova Iguaçu, com o apoio da Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro (parceira do ACNUR), além de outros grupos e entidades locais. Pela primeira, um município no Brasil se compromete a acolher um grupo específico de refugiados idosos, que requer atenção especial de proteção.
“Se cada um dos 5 mil municípios brasileiros recebesse pequenos grupos de pessoas venezuelanas, minimizaríamos o impacto deste fluxo humanitário no Brasil. Essa iniciativa pode e deve ser replicada por outros municípios, porque há redes locais com plena capacidade de apoiar essas pessoas”, disse Rogério Lisboa, Prefeito de Nova Iguaçu.
As pessoas idosas que chegaram em Nova Iguaçu, em alguns casos, esperaram há dois anos em Boa Vista para serem interiorizadas. Por se tratar de um grupo com necessidades protetivas específicas, o processo interiorização de refugiados da terceira idade é um dos mais desafiadores, exigindo planejamento e estrutura muito particulares para o acolhimento e integração dessas pessoas – uma rede de assistência de Saúde próxima ao local de abrigo, por exemplo, além da dificuldade de inserção dos idosos ao mercado de trabalho, dentre outros obstáculos.
“O ACNUR segue apoiando a interiorização promovida pela Operação Acolhida desde Boa Vista para mais de 600 cidades no Brasil. A iniciativa da prefeitura de Nova Iguaçu é exemplar pelo impacto positivo gerado na vida dessas pessoas idosas que requerem atenção especial. O ACNUR equipou o abrigo municipal provendo uma série de materiais para melhor acolher essa população que vive uma delicada situação em termos econômicos, sociais e de saúde”, disse o Representante do ACNUR, Jose Egas.
Jesus Conceição Romero, de 78 anos, atravessou sozinho a fronteira Venezuela/Brasil, e desde o momento em que chegou em Boa Vista procurava formas de ser interiorizado para poder trazer também sua família. “Tentei várias organizações, mas todos diziam que não tinha interiorização para pessoas com mais idade”, lembra Jesus. Ele passou dois anos em Roraima, na esperança de um dia poder participar do programa federal de realocação voluntária.
“Estou tranquilo para viajar, vou matar a saudade de quando viajava de Caracas para todos os lugares na Venezuela. Mas estou mais feliz, porque esse voo está nos levando para uma nova vida. Quero trabalhar e poder trazer minha família para perto”, disse Jesus.
Após uma viagem de cerca de seis horas de avião entre Boa Vista e Rio de Janeiro, quando foram acompanhados pelas equipes do ACNUR e da OIM, o grupo de idosos foi recepcionado na Base Aérea do Galeão pela Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Nova Iguaçu, além de membros de sua equipe e de representante da Defensoria Pública e da Procuradoria do Município. De lá, embarcaram num ônibus fretado pela Operação Acolhida – resposta governamental ao fluxo de pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela para o Brasil – rumo ao novo espaço. Quando chegaram à Casa de Acolhida, foram recebidos com música, camas prontas para um descanso da longa viagem e um almoço preparado por voluntários de um grupo comunitário local.
Já instalado na nova casa, Jesus dizia-se ansioso para conseguir um trabalho. Na Venezuela, ele foi motorista e operador de máquinas pesadas, e espera conseguir uma oportunidade. “Tenho 78 anos, mas ainda tenho saúde para trabalhar, estou em forma”, brincou o senhor venezuelano.
Os idosos receberão apoio para o processo de inscrição no benefício de prestação continuada (BPC) e em outros programas sociais locais, além de serem direcionados para oportunidades de geração de renda e trabalho no comércio e empresas locais que sejam compatíveis com o perfil.
Articulação com o poder público
O caminho para a interiorização do primeiro grupo de idosos venezuelanos vindos de Roraima foi aberto com a chegada dos indígenas Warao a Japeri, município próximo a Nova Iguaçu, em janeiro deste ano. “A conversa com a Prefeitura de Nova Iguaçu começou graças aos Warao. Um grupo deles chegou ao município de Japeri, e passou a ser acompanhado pela Secretaria Municipal de Assistência Social de Nova Iguaçu e pela rede de Saúde local. Com essa experiência com os indígenas, foi feito um grupo de trabalho, criado e coordenado pelo ACNUR, com o apoio de outros atores. No âmbito deste grupo de trabalho, foi mencionada a necessidade de apoiar também populações que não vinham tendo a oportunidade de serem interiorizadas, como é o caso dos idosos”, lembra Maria Beatriz, chefe do escritório do ACNUR em São Paulo.
A experiência positiva com os Warao sensibilizou a prefeitura de Nova Iguaçu, que desde 2019 tinha o desejo de apoiar a resposta humanitária de alguma forma e, a partir da ponte estabelecida com o ACNUR, decidiu apoiar a vinda do grupo de idosos. “Pedi para ir à Roraima olhar de perto, conhecer o trabalho do ACNUR e da Operação Acolhida, como são montados os abrigos. Descobrir a realidade de cada um deles, tanto a situação dos indígenas, quanto dos demais venezuelanos”, contou Elaine Medeiros, Secretária de Assistência Social do Município de Nova Iguaçu. “Lá eu pude ver de perto a dor desse povo. Então conheci os idosos, conversamos, e contei a eles como era Nova Iguaçu, nossa cidade, qual era a condição da casa, o que tínhamos para ofertar. E houve um grupo que de fato firmou o desejo de estar aqui conosco”, concluiu Elaine.
A parceria com instituições do poder público é fundamental para o acolhimento e integração de refugiados no Brasil. A chefe do escritório do ACNUR em São Paulo destaca a importância da mobilização dos municípios no processo de interiorização dos venezuelanos. “Esperamos que este seja o primeiro grupo de muitos. O abrigo foi feito especificamente para os receber. O Ministério da Cidadania também está articulado com a Prefeitura de Nova Iguaçu. É um notório exemplo de articulação em rede e ação propositiva por parte do município”, disse Maria Beatriz.
O novo abrigo para idosos
A Casa de Acolhida do Imigrante Jardim Paraíso tem capacidade para abrigar 25 pessoas, e recebe preferencialmente idosos com capacidade laboral ativa. Futuramente, será possível considerar exceções, como casais de idosos, ou idosos com família. Além dos 18 idosos recém chegados, mais três pessoas ainda chegarão em dezembro, totalizando 21 moradores. A casa possui quartos coletivos e há um espaço separado caso haja, excepcionalmente, uma família ou alguém com demanda médica específica. O tempo de permanência no abrigo é de seis meses, podendo ser estendido para mais seis meses. Cada caso será reavaliado individualmente, de acordo com as necessidades específicas. Durante o tempo de permanência na casa, os idosos contarão com o apoio do ACNUR, do projeto PARES da Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro (parceira do ACNUR), da Secretaria Municipal de Assistência Social de Nova Iguaçu e de equipe da Cruz Vermelha, além de outras entidades comunitárias locais.
A prioridade no acompanhamento aos idosos recém-chegados é garantir que eles tenham acesso ao sistema de saúde local para depois cuidar das questões de documentação, curso de português, e oferecer outras atividades. A poucos minutos do abrigo há uma Unidade de Pronto Atendimento que funciona 24h, essencial para o público de terceira idade.
A Operação Acolhida
A Operação Acolhida é a ação de resposta humanitária do governo federal ao fluxo de venezuelanos no país, e que conta com o apoio do ACNUR e de outras agências da ONU. Desde a sua implementação, em abril de 2018, mais de 42 mil refugiados e migrantes venezuelanos foram interiorizados voluntariamente para outros estados, sendo 8.192 pessoas beneficiadas pela modalidade abrigo-abrigo, liderada pelo ACNUR.
Fonte: ACNUR