O Brasil firma compromisso pela integração humana no MERCOSUL

Há tempos, as “globalizações” estabelecidas por blocos econômicos centravam-se na internacionalização do capital, no princípio da livre circulação de mercadorias, mas raras vezes na livre circulação de seres humanos.

 

João Paulo Santos[1]

Há tempos, as “globalizações” estabelecidas por blocos econômicos centravam-se na internacionalização do capital, no princípio da livre circulação de mercadorias, mas raras vezes na livre circulação de seres humanos. O eixo principal da diversidade e da confluência entre identidades culturais díspares soava muitas vezes como desculpa para que o capital pudesse lucrar cada vez mais, este, sim, realmente internacionalizado. A União Européia fora talvez a exceção, por vezes capaz de afirmar o verdadeiro interesse de integração, reforçado com a entrada recente de países do leste europeu, auferindo prejuízos econômicos em curto prazo em troca de ganhos culturais e humanos.

Dia 20 de maio de 2004, o Congresso Nacional brasileiro aprovou[2] o histórico Acordo sobre Residência no âmbito do Mercosul, celebrado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada em Brasília, em dezembro de 2002. Histórico, porque se saiu do mundo das idéias e estabeleceu-se um documento legislativo que visa permitir a integração supra-econômica do Cone Sul.

Com a promulgação ocorrida no dia 24 de maio de 2004, imediata será a comunicação ao país depositário, no caso o Paraguai. Restam ainda a tramitação interna e a promulgação por parte dos demais países do Cone Sul, para a sua entrada em vigor.

O Acordo traz boas perspectivas na construção de um bloco que ultrapasse os aspectos econômicos, buscando uma cooperação política, cultural e humana. A integração, objetivo do Mercosul, ultrapassa a simples circulação de bens e inicia uma trajetória rumo à livre circulação de pessoas. Além de alargar o conceito de mercado, busca-se igualmente ampliar o conceito de direitos humanos. Em países em desenvolvimento é um feito notável, vislumbrando uma outra capacidade de integração múltipla, ademais de experiências já existentes em outros continentes, revitalizando o processo de união em blocos, que por alguns descaminhos (como o NAFTA ou a ALCA), vinha sendo esquecido no âmbito americano.

Pelo texto do Acordo, cidadãos de quaisquer países do Mercosul, natos ou naturalizados há pelo menos cinco anos, terão um processo simplificado na obtenção de residência temporária por até dois anos em outro país do blnos em outro paente simplificado para poderem obter residoco, tendo como exigências o passaporte válido, certidão de nascimento, certidão negativa de antecedentes penais e, dependendo do país, certificado médico de autoridade migratória (art. 4º).

De forma igualmente simples, sem necessidade de vistos ou emaranhadas burocracias, a residência temporária, no decurso do prazo, pode se transformar em  residência permanente com a mera comprovação de meios de vida lícitos para o sustento próprio e familiar (art. 5º).

A simplicidade visa salientar um intercâmbio entre os países, para uma real formação comunitária, tendo assim expresso, além da facilidade de entrada, a garantia de direitos fundamentais de todos os que migrarem de um país a outro. Além das liberdades civis – direito de ir e vir, ao trabalho, à associação, ao culto e outros – (art. 9º,1), do direito de reunião familiar (art. 9º, 2) e de transferência de recursos (art. 9º, 5), o Acordo faz avanços em duas áreas importantes: a trabalhista e a educacional.

No caso dos direitos trabalhistas, existe uma clara definição no art. 9º, 3, de igualdade na aplicação da legislação trabalhista, além do compromisso de acordos de reciprocidade em legislação previdenciária. Existe ainda uma importante separação entre empregadores desonestos e direitos dos empregados: a migração forçada trará conseqüências aos empregadores, mas não afetará os direitos dos trabalhadores migrantes (art. 10).

Ainda como ganho humano do Acordo está a relação educacional dos filhos dos imigrantes ao amparo do Acordo, inserindo-os em igualdade de condições com os nacionais do país de recepção.  Isso indica que a mesma garantia que um Estado é obrigado a dar a seus cidadãos, também será obrigado em relação a qualquer cidadão dos países do Mercosul que habite seu país.

Por fim, o texto ainda insere, em seu artigo 11, uma idéia de interpretação importante, que qualifica uma escolha política: na dúvida legislativa, a resposta interpretativa deve ser sempre pró-migrante: “O presente Acordo será aplicado sem prejuízo de normas ou dispositivos internos de cada Estado Parte que sejam mais favoráveis aos imigrantes”.

Sendo assim, a grande conclusão da promulgação do Acordo é a de que, de agora em diante abre-se uma oportunidade, condicionada apenas a que os outros países o ratifiquem, uma nova fase se dá no Mercosul. Além de um acordo econômico, desenham-se fronteiras de um bloco de culturas e pessoas que se dizem irmãs e desejam aprofundar seus laços a fim de estruturar novos conceitos. É o ser humano entrando no processo, mostrando que as fronteiras tem muito de ficção e que a integração de culturas é fundamento para o desenvolvimento e a paz, como profetizou Scalabrini no fim do século XIX “A migração alarga o conceito de Pátria para além das fronteiras geográficas e políticas, fazendo do mundo a pátria de todos”.



[1] João Paulo Santos é advogado em Brasília-DF e trabalha no IMDH (Instituto Migrações e Direitos Humanos).

[2] O Decreto Legislativo nº 210, de 2004, que aprova o texto do Acordo sobre Residência para Nacionais do MERCOSUL foi publicado no Diário Oficial da União aos 24 de maio de 2004, Seção 1, página 1, coluna 3.