Negócios estão concentrados nas áreas de alimentos e serviços pessoais, em endereços fixos, virtuais e ambulantes. Acesso ao crédito é uma das dificuldades dos empreendedores
Os empreendimentos de pessoas refugiadas, solicitantes da condição de refugiado e migrantes da Venezuela no Brasil estão concentrados nas áreas de alimentos e serviços pessoais (com destaque para salões de beleza e barbearias), com atividades também em informática, construção, saúde, vestuário e calçados. Estes negócios se caracterizam por serem empresas pequenas e familiares, em endereços virtuais, fixos e de forma ambulante.
Em Roraima, principal porta de entrada desta população no país, a maioria dos negócios é realizada por microempresários. Já em São Paulo, que acolhe muitos refugiados e migrantes venezuelanos, há negócios que contratam outros trabalhadores, muitas vezes da mesma nacionalidade dos empreendedores para ajudar seus conterrâneos e agregar componentes étnicos na atividade. Muitas destas atividades incorporam o sistema de entregas em domicílio – o que vem se intensificando desde o início da pandemia do novo coronavírus no país.
O faturamento mensal destas atividades é bastante diferenciado. Enquanto em Boa Vista este valor está geralmente abaixo do salário mínimo, em São Paulo o faturamento varia entre R$ 4,5 mil e R$ 25 mil por mês.
Este perfil é revelado pela pesquisa “Desafios, limites e potencialidades do empreendedorismo de refugiados(as), solicitantes da condição de refugiado(a) e migrantes venezuelanos(as) no Brasil”, divulgada nesta semana pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), em parceria com a Delegação da União Europeia no Brasil. A pesquisa foi conduzida pela Universidade de Brasília (UnB), com base em 72 entrevistas (12 em São Paulo e 60 em Boa Vista). As entrevistas ocorreram em janeiro deste ano.
A pesquisa também revelou obstáculos para abertura de negócios no Brasil. Embora muitas das pessoas entrevistadas já tinham empreendimentos na Venezuela, tiveram dificuldades em encontrar informações sobre como abrir e manter um negócio e em acessar crédito (ou microcrédito) no sistema financeiro. O alto custo de vida no Brasil (com destaque para o preço dos aluguéis), preconceito, burocracias na revalidação e diplomas e a falta do domínio do idioma português também foram apontados como dificuldades – além do abalo emocional gerado pelo deslocamento forçado e pela preocupação com familiares que permanecem na Venezuela.
“O empreendedorismo de pessoas refugiados e migrantes movimenta a economia do local que os acolhem, gerando novas demandas, possibilidades de negócios e oportunidades de trabalho. Estes negócios são essenciais para esta população, e, mesmo sendo majoritariamente pequenos e familiares, representam importante fonte de renda para sua autonomia e integração socioeconômica”, ressaltou o Representante do ACNUR no Brasil, Jose Egas, na abertura do webminário que apresentou os resultados da pesquisa.
“A pesquisa ganha relevância ao auxiliar a formação de políticas públicas e mostra que a autossuficiência dos refugiados e migrantes cria oportunidades para outras pessoas e contribuiu com o desenvolvimento econômico, social e cultural do Brasil. Em nome da União Europeia, reiteramos o apoio ao Brasil neste trabalho conjunto de resposta aos desafios encontrados pela Operação Acolhida”, ressaltou a Chefe Adjunta da Delegação da União Europeia no Brasil, Ana Beatriz Martins, se referindo à resposta do governo federal ao fluxo de refugiados e migrantes venezuelanos para o Brasil.
Apesar das dificuldades relatadas, as entrevistas revelaram aspectos que favoreceram a consolidação dos empreendimentos. Quatro fatores foram repetidamente reportados: o trabalho de instituições que fazem atendimentos iniciais a esta população, a atuação de serviços que promovem a ação empreendedora, o apoio familiar e de compatriotas e a força das comunidades virtuais e redes sociais no Brasil.
“As pessoas refugiadas e migrantes são agentes ativos na economia do país de destino, e mostram que têm capacidade de transformar problemas em negócios. Também destacamos o papel da mulher empreendedora, que têm uma participação ativa no empreendedorismo”, apontou a pesquisadora da UnB Miliana Ubiali Herrera, durante a apresentação da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas nas cidades de Boa Vista (RR) e São Paulo (SP). A primeira cidade foi escolhida por concentrar um grande número de venezuelanas e venezuelanos, devido à sua proximidade com a fronteira entre o Brasil e a Venezuela. São Paulo também foi escolhida por ser um dos principais destinos destas pessoas no processo de interiorização de nacionais da Venezuela.
Crise na Venezuela – O fluxo de refugiados e migrantes da Venezuela para o Brasil se iniciou em meados de 2016 e se intensificou com a deterioração social, política e econômica no país vizinho. As Nações Unidas estimam que mais de 5 milhões de venezuelanos já deixaram seu país em busca de proteção e assistência, sendo que a maioria se encontra na América Latina e no Caribe.
As autoridades brasileiras estimam que aproximadamente 260 mil venezuelanos vivem no país. Até julho de 2020, mais de 130 mil solicitações de reconhecimento da condição de refugiado foram registradas por venezuelanos no Brasil – uma quantidade semelhante à dos pedidos de residência temporária. Entre elas, mais de 46 mil já foram reconhecidos como refugiadas pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE).
“Políticas públicas só podem ser feitas com a devida identificação e diagnóstico de problemas, e esta pesquisa é uma contribuição efetiva neste sentido. Refugiados e migrantes estão pagando impostos, gerando empregos e movimentando a economia no Brasil, o que é muito importante”, reconheceu a Coordenadora de Políticas de Refúgio do CONARE, Gabriella Oliveira.
Durante a apresentação da pesquisa, a empreendedora venezuelana Yilmary de Perdomo, proprietária do negócio de alimentos “Tentaciones de Venezuela”, confirmou as conclusões da pesquisa. Terapeuta ocupacional de formação, ela e sua família vivem no Brasil há quatro anos e deixaram a Caracas por ameaças e tentativas de extorsão por parte de milícias.
Yilmary se reinventou por meio da gastronomia, pois ainda não conseguiu revalidar seu diploma profissional. Ela começou a empreender depois do sucesso de um prato feito para uma celebração na escola da sua filha. Com foco inicial em eventos corporativos, ela hoje atende por meio de redes sociais e com entregas em domicílio. “As pessoas refugiadas querem ser produtivas, pois estão aqui para somar e contribuir. Empreender não é fácil, mas também não é impossível”, afirmou a venezuelana.
De acordo com os pesquisadores da UnB, o estudo demonstra que é necessário considerar o processo de deslocamento forçado de refugiados e migrantes venezuelanos para compreender e potencializar seus empreendimentos. A pesquisa aponta que a maioria dos empreendimentos pesquisados, tanto em São Paulo quanto em Boa Vista, estão em fase de criação e de consolidação. Em Boa Vista, o estado dos empreendimentos é primário independentemente do tempo de vida do negócio. Em São Paulo há estabelecimentos que caminham para uma maior consolidação.
A pesquisa aponta ainda a importância da estratégia de interiorização do Governo Federal em apoiar a realocação de venezuelanos para outras cidades Brasileiras, onde tem mais possibilidades de empreender.
“Ampliar os fatores facilitadores identificados e superar os obstáculos são ações imprescindíveis para a inserção desta população no mercado de trabalho brasileiro como empreendedores. Entre esses caminhos estão a facilitação do acesso ao crédito, o acesso à informação referente ao processo de empreender no Brasil e a valorização das pessoas refugiadas e migrantes – e de sua cultura – junto à sociedade brasileira”, conclui a professora Tânia Tonhati, uma das coordenadoras da pesquisa.
O ACNUR, outras agências da ONU e organizações parceiras da sociedade civil apoiam a resposta a refugiados e migrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade por meio da Plataforma Regional de Coordenação Interagencial (R4V – Resposta a Venezuelanos e Venezuelanas).
A União Europeia é um dos principais parceiros e doadores do ACNUR e tem apoiado, de maneira constante, a resposta humanitária a refugiados e migrantes venezuelanos no Brasil e em outros países da região. A Universidade de Brasília é integrante da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, iniciativa do ACNUR que reúne 23 instituições de ensino superior (públicas e privadas) localizadas em 11 unidades da federação.
Fonte: www.acnur.org