Refugiados e Refugiadas no Brasil: Dados e Políticas Públicas

A questão do refúgio é antiga e universal. Sabe-se que perseguições políticas e religiosas, guerras e imperialismos existem desde sempre na humanidade e, face à atemporalidade de tais mazelas, a acolhida de pessoas perseguidas em razão de sua raça, religião, opiniões políticas, nacionalidade ou de seu grupo social, também é antiga e universal.

 

“Cada refugiado tem uma história diferente,

mas todas contam o triunfo da esperança

sobre o desespero”

(António Guterres – ACNUR)

Ir. Rosita Milesi, mscs

Izabel Saenger Nuñez

  1. Introdução

A questão do refúgio é antiga e universal. Sabe-se que perseguições políticas e religiosas, guerras e imperialismos existem desde sempre na humanidade e, face à atemporalidade de tais mazelas, a acolhida de pessoas perseguidas em razão de sua raça, religião, opiniões políticas, nacionalidade ou de seu grupo social, também é antiga e universal.

O Refúgio, como instituto de Direito Internacional, entretanto, surgiu apenas em 1920, quando, no âmbito da Liga das Nações foi criado o Alto Comissariado para os Refugiados Russos. Atualmente, passadas tantas mudanças na conjuntura internacional, é o Alto Comissariado das Nações Unidas, criado em 1950 pela Assembléia Geral da ONU, que atende a questão. O ACNUR acompanha, atualmente, mais de 31 milhões de pessoas, incluídas aqui as diversas categorias: refugiados e solicitantes de asilo, deslocados, apátridas, e retornados.

Assim, por tratar-se de tema de relevância supranacional, o Direito Internacional dos Refugiados é uma das vertentes de proteção internacional de direitos da pessoa humana, assim como o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário.

No Brasil, a proteção jurídica do refugiado se dá por meio da Constituição Federal de 1988, que prevê indiretamente os fundamentos legais para a aplicação do instituto do Refúgio, bem como por meio da Lei n. 9.474/97 que prevê e regulamenta os mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, de 1951.

Aspecto a ser ressaltado na legislação brasileira é o conceito de refugiado, mais amplo do que o previsto na Convenção de Genebra (1951). O artigo 1º da Lei 9474/97, prevê que poderá ser reconhecido como refugiado todo indivíduo que, em razão de fundado temor de perseguição devido à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, ou devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país e não possa ou não queira a ele regressar.

  1. Refugiados no Mundo

O total de pessoas sob a proteção do ACNUR, em 2006, chegou a 32.9 milhões, registrando um aumento do número total de refugiados, que alcança 9,9 milhões de pessoas, contra 8,6 do ano anterior.[1]

Tabela 1 – Pessoas sob proteção do ACNUR (2006): 32.9 milhões

 

Categoria

Total de pessoas

Refugiados

9.900.000

Apátridas

5.800.000

Deslocados Internos Retornados

1.800.000

Solicitantes de Asilo

750.000

Refugiados Retornados

780.000

Deslocados Internos

12.800.000

Outros

980.000

    Fonte: www.unhcr.org/statistics

A proteção aos direitos humanos dos refugiados deve ser observada e assegurada antes (período em que a ameaça ou violação a direitos fundamentais provoca a busca do asilo), durante (período de refúgio em que os direitos dos refugiados devem ser protegidos pelo país de primeiro asilo) e depois (quando se viabiliza uma solução duradoura, seja através da repatriação voluntária, da integração local ou do reassentamento em outros países)[2].

O período em que os refugiados se encontram no país de acolhida é, a um tempo, importante e delicado, o que requer especial atenção.  Isto porque, ao chegar a um novo país, as dificuldades que enfrentam não se limitam à nova cultura, ao idioma e aos costumes. Não raro, chegam em situação de pobreza, emocionalmente abalados, às vezes doentes e sem perspectiva de como reestruturar sua vida.

Estas situações ainda podem ser agravadas em face de práticas discriminatórias motivadas por fatores econômicos, raciais ou étnicos. O imaginário de grande parte das pessoas, afirma o atual Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, Antonio Guterres, ainda tende a achar que o refugiado é um criminoso, que está foragido de seu país, e não alguém que, exatamente ao contrário, teve que fugir da sua casa, de seu país por ser perseguido por suas idéias ou por ser vítima de uma guerra civil[3]. Lembremos ainda que as mulheres e as crianças constituem um grupo duplamente vulnerável, o que pode acabar por potencializar as dificuldades de integração.

  1. Refugiados no Brasil

O Brasil apresenta um alto índice de reconhecimento – em torno de 30% – das solicitações de refúgio que recebe. “O Brasil é um país de asilo e exemplo de comportamento generoso e solidário”, afirma o Alto Comissário do ACNUR, António Guterres.

Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), o número de refugiados no Brasil, em 31 de dezembro de 2007, era de 3.815, dos quais, 3.461 (90,7%) são refugiados em primeiro país de asilo e 354 (9,3%) são refugiados reassentados, procedentes, fundamentalmente do Equador, Costa Rica e Jordânia (palestinos).  Os quadros a seguir ilustram algumas situações e dados:

Tabela 1 – Total de Refugiados em primeiro país de asilo e Regiões de procedência (31/12/2007)

 

 

Regiões de Procedência

 

Refugiados no Brasil

 

Observações

 

África

 

2606

 

Há 1684 angolanos

América Latina e Caribe

474

Maioria formada por colombianos

Oriente Médio

240

O grupo mais numeroso é de iraquianos

Europa

099

Ásia

040

América do Norte

001

Apátrida

001

Total

3461*

Não incluídos os reassentados

  Fonte: CONARE – Relatório 2007

* Em junho de 2008, já ultrapassávamos os 4.000 refugiados.

  1. Reassentamento

O reassentamento consiste na transferência de refugiados de um primeiro país de asilo para um terceiro país, pela necessidade de proteção legal ou física, ou pelo fato do refugiado não ter encontrado no país em que recebeu refúgio nenhuma possibilidade de integração, como solução duradoura.

Por ocasião da celebração dos 20 anos da Declaração de Cartagena, em 2004, no México, foi proposto o Programa de Reassentamento Solidário para refugiados latino-americanos. O Brasil assumiu a proposta, o que significou uma abertura maior ao programa, como o comprova o quadro a seguir.

Tabela 2 – Refugiados reassentados no Brasil, ano a ano, de 2002 a 2007

 

 

Ano

Nacionalidades

 

Palestinos

Afegãos

Colombianos

Congoleses

Equatorianos

Guate-maltecos

Soma

2002

23

23

2003

15

1

16

2004

1

71

3

75

2005

72

4

76

2006

44

6

50

2007

108

41

2

151

Soma

109

23

243

1

13

2

391

  Fonte: CONARE

Tabela 3 – Refugiados reassentados, residentes no Brasil em 31/12/2007

 

Nacionalidade

Total de pessoas

Colombianos

228

Palestinos

109

Afegãos

09

Equatorianos

05

Guatemaltecos

02

Congoleses

01

Total

354

  Fonte: CONARE

Tabela 4 – Estados de residência dos Refugiados reassentados no território nacional

 

Estado

Total de Refugiados/as

Nacionalidades

Rio Grande do Norte

34

Colombianos, guatemaltecos e palestinos

Rio Grande do Sul

150

Colombianos, palestinos, afegãos e congoleses

São Paulo

168

Colombianos e palestinos

Pernambuco

01

Colombiano

Goiás

01

Colombiano

Total

354

 

   Fonte: CONARE

4. Distribuição no País:

Tradicionalmente, a quase totalidade dos refugiados se localizava no Rio de Janeiro e em S. Paulo. Hoje, embora a maioria ainda se encontre concentrada nestas duas regiões, há expressivos grupos, particularmente em relação aos refugiados que entraram no país nos últimos 5 anos, localizados em: Porto Alegre, Caxias do Sul e outras cidades do RS; Natal (RN); Manaus (AM); Brasília (DF); Goiânia (GO); Rio Branco (AC); Bela Vista (RR); Belo Horizonte (MG); Fortaleza (CE); Jequiri/Mariana (MG) e, embora em número menos expressivo são encontrados em muitas outras localidades onde há entidades que integram a Rede Solidária para Migrantes e Refugiados, composta 85% por entidades da Igreja Católica.

5 – Necessidade de avançar em políticas públicas e outras iniciativas:

Há vazios, carências e necessidades que urgem vontade política, medidas, decisões e viabilização para consolidar a inserção do País numa postura de acolhida e integração de refugiados. Para realização plena e solidária de um novo projeto de vida dos refugiados e refugiadas é imprescindível a adoção de algumas iniciativas públicas, as quais elencamos:

a) Saúde

1 – Garantir atendimento global à saúde dos refugiados nos serviços de saúde pública, inclusive de saúde psico-social;

          2 – Elaborar um Programa de Saúde para atendimento à população refugiada e identificação de hospitais de referência;

      3 – Criar junto às universidades públicas a possibilidade de atendimento odontológico;

     4 – Intervir na formalização de acordos junto às Secretarias de Saúde (Estadual e/ou Municipal) para políticas de saúde de atendimento local aos refugiados.

b) Trabalho

1 – Criar condições para a abertura de vagas para refugiados nas frentes de trabalho;

2 – Estabelecer programas de apoio e assistência aos refugiados e seus familiares como vagas em cursos de português e, particularmente, em cursos profissionalizantes.

3 – Possibilitar a comprovação de experiências profissionais, através de períodos de estágio;

4 – Desenvolver programas e fazer gestões, junto às empresas, sistema “S”, sindicatos e organizações, para a abertura de vagas de trabalho e emprego, com períodos de capacitação, para refugiados e refugiadas.

5 – Inserir os refugiados e refugiadas nos programas do Governo Federal como Primeiro Emprego, bolsas do PETI, bem como nos programas estaduais e municipais.

c) Educação

       1 – Criar mecanismos para agilização do processo de revalidação de diplomas e documentos universitários;

       2 – Ampliar o número de vagas para crianças na faixa etária própria para acolhida em pré-escola;

       3 – Estabelecer acordos entre Ministério da Educação e Universidades Públicas para oferta de vagas para refugiados e definição de critérios especiais para inclusão destes no PROUNI;

       4 – Disponibilizar um percentual de bolsas escolares (escolas particulares) para refugiados, particularmente para crianças e adolescentes em idade escolar, promovendo acesso à educação, em nível de 1º e 2º graus, consoante o que dispõe o Estatuto do Refugiado, de 1951.

d) Integração Social

1 – Garantir a igualdade de acesso entre nacionais e refugiados nos programas e benefícios do Sistema Único de Assistência Social e na Política Nacional de Assistência Social;

2 – Envolver mais o Poder Público local e regional na elaboração e execução de políticas públicas e na inserção de refugiados nas já existentes;

3 – Desenvolver campanhas de sensibilização sobre a temática do refúgio e a situação dos refugiados e refugiadas.

4 – Fortalecer os mecanismos de execução dos dispositivos legais (reconhecimento de certificados, acesso a crédito, etc);

5 – Capacitar os atores da sociedade civil e agentes públicos para atenção aos refugiados, considerando sua situação de vulnerabilidade e dramas vividos em decorrência de guerras, guerrilhas, perseguições, conflitos armados e violações massivas de direitos humanos;

e) Atenção religiosa e espiritual

1 –Promover e fortalecer o associativismo religioso de migrantes e refugiados, enquanto instrumento de integração, socialização e fortalecimento identitário;

2 – Fornecer aos refugiados suportes informativos para localizar as comunidades, igrejas, templos ou lugares de culto da própria tradição religiosa ou de aproximação nesta dimensão nos casos de quem não possui apoios religiosos e de fé;

3 – Trabalhar a questão da inculturação do evangelho e do estímulo à busca e ao cultivo de valores religiosos e da fé;

4 – Prover e oferecer aos refugiados oportunidade de terem acesso a assistentes religiosos e celebrações em seu próprio idioma ou em formas mais aproximadas dos idiomas e culturas de origem;

5 – Superar todas as formas de intolerância ou discriminação religiosa, inclusive por parte dos próprios refugiados;

6 – Elaborar e fornecer materiais, textos, orações, objetos, livros que possam favorecer o alimento da fé e a aproximação a Deus e aos ensinamentos éticos e religiosos.

Brasília-DF, 30 de junho de 2008



[1] Cf. UNHCR. 2006 Global Trends: Refugees, Asylum-seekers, Returnees, Internally Displaced and Stateless Persons. UNHCR, 2007. Disponível em: http://www.unhcr.org/statistics/STATISTICS/4676a71d4.pdf .

[2] PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. In: ARAÚJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis. O direito internacional dos refugiados – uma perspectiva brasileira. São Paulo: Renovar, 2001, p. 46-48.

[3] Jornal O Fluminense – RJ – 09/11/2005, p. 21.