Viemos de muitos lugares, de perto e de longe, por caminhos diversos e com a expectativa de intercambiar experiências e organizar uma “pastoral orgânica e de conjunto”
A partir de um olhar de conjunto sobre o Encontro, o presente relatório procura sublinhar alguns tópicos, espécie de janelas, para resgatar os aspectos mais significativos. Alertamos para o fato de que os tópicos não seguem necessariamente a ordem cronológica das apresentações.
1. Apresentação e acolhida
Somos 35 participantes do I Encontro Nacional das Pastorais da Mobilidade Humana, Setor vinculado à Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, da CNBB. Representamos os vários serviços e pastorais que trabalham nos seguintes campos da Mobilidade Humana: refugiados, pescadores, nômades (ciganos, circenses e parquistas), brasileiros no exterior, nipo-brasileiros, migrantes internos e imigrantes, marinheiros, turismo e pessoas que trabalham em seus bastidores.
Viemos de muitos lugares, de perto e de longe, por caminhos diversos e com a expectativa de intercambiar experiências e organizar uma “pastoral orgânica e de conjunto”. Aqui chegados, fomos acolhidos por Dom Jacyr F. Braido, Ir. Rosita Milesi, Pe. Cláudio Ambrósio e Ir Marizete Schiavon, respectivamente o bispo responsável do Setor
Mobilidade Humana da CNBB, seus assessores e secretária em nível nacional. Na abertura, um grupo de crianças ciganas, orientado pela Ir. Rosa Maria Martins Silva, nos proporcionou um clima fraterno de acolhida e oração, lembrando que “nossa pátria está onde estão nossos pés”.
Além de Dom Jacyr, contamos com a presença de outros três pastores: Dom Laurindo Guizzardi, bispo de Foz do Iguaçu/PR e responsável da Pastoral dos Brasileiros no Exterior (PBE), de Dom Murilo Krieger, arcebispo de Florianópolis/SC e responsável pela Pastoral do Turismo e de Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales/SP. Presidente do SPM e membro da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz.
2. Intercâmbio de Experiências
Os representantes de todas as Pastorais ligadas ao Setor Mobilidade Humana tiveram oportunidade de relatar suas experiências, destacando, por um lado, os principais problemas encontrados nas diversas realidades do fenômeno migratório e, por outro, as atividades que vêm sendo desempenhadas. Desfilaram pela nossa frente os rostos, às
vezes desfigurados, mas sempre esperançosos, dos nômades, ciganos, circenses, parquistas, refugiados, marinheiros, turistas e trabalhadores ligadas ao mundo do turismo, pescadores, brasileiros emigrados, nipo-brasileiros, migrantes e imigrantes. Convém sublinhar a contribuição do Dr. Wellington Carneiro, representando o ACNUR, que nos esclareceu sobre o número e a situação dos refugiados, bem como sobre o trabalho realizado junto a eles.
O vasto campo das migrações ganhou diante de nós uma especificidade, ao mesmo tempo, muito ampla e muito concreta. Situações extremas de tráfico de pessoas e “trata” de mulheres e crianças exploradas sexualmente; de estrangeiros em situação irregular, sem documentos; de preconceito e discriminação para com o outro, o estranho e o diferente; de solidão, abandono e até desespero, no mar, no ar e em terra; de migrantes submetidos as formas de trabalho precárias e degradantes, sujeitos aos serviços mais sujos e pesados, perigosos e mal pagos; de busca de refúgio em país estrangeiro, sem qualquer possibilidade de retorno; de travessias cheias de riscos e ameaças de morte; enfim, de fronteiras que são enormes desafios à Igreja e à sociedade como um todo.
Ao lado de tais situações-limite, entretanto, desfilaram também a fé que os migrantes carregaram sempre consigo, especialmente na imagem da mãe peregrina; a resistência de quem ultrapassa todas as fronteiras e vai em busca de um futuro mais promissor; a esperança de vencer os obstáculos e recomeçar uma vida nova; a alegria do encontro e reencontro; a certeza da solidariedade por parte das redes familiares, dos movimentos e entidades sociais, de organizações não governamentais e dos serviços ligados à Igreja. Vítimas de um processo de concentração de renda e exclusão, em âmbito global, os migrantes são também protagonistas de um novo tempo, na medida em que, rompendo fronteiras, abrem caminhos e horizontes de uma cidadania universal.
3. Migrações no contexto da globalização
Pe. Alfredo J. Gonçalves fez uma exposição centralizada no tema Globalização e Migrações, em seus fluxos e tendências, causas e conseqüências, desafios e implicações. Sua contribuição foi subdividida em cinco partes: primeiro, partiu de uma definição sobre o conceito de globalização; em segundo lugar, fez uma retrospectiva histórica remota, relacionando o tema da mobilidade humana com a economia globalizada nos séculos passados; depois, fez uma outra retrospectiva mais recente, sobre globalização e migrações nas últimas três décadas do século XX; após esse olhar sobre a história, utilizou a Erga Migrantes Caritas Christi para mostrar alguns aspectos das migrações atuais, cada vez mais intensas, complexas e diversificadas; por último, conclui com uma reflexão de
corte teológico a respeito da fronteira como desafio e perspectiva na Pastoral da Mobilidade Humana.
O texto será, posteriormente, disponibilizado para os participantes do Encontro.
4. Mobilidade Humana e Igreja
a). Num primeiro momento, Dom Demétrio, membro da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, começou destacando a co-naturalidade entre a solicitude pastoral da Igreja, por um lado, e a situação dos migrantes, por outro. Diante dos migrantes, a Igreja se sente constantemente desafiada e interpelada. Verifica-se a mesma co-naturalidade entre a mobilidade humana e a devoção popular. Exemplo disso são as imagens de Nossa Senhora. que os migrantes costumam levar consigo na mala ou no coração. Por isso é que a Igreja, toda ela peregrina, está bem próxima da realidade da mobilidade humana, ou seja, a natureza evangelicamente peregrina da Igreja, como lembra a Lumem Gentium, a aproxima dos migrantes, refugiados, nômades, etc. A partir do Antigo Testamento, Dom Demétrio lembrou que o paradigma migratório constitui uma espinha dorsal de toda a trajetória bíblica, como podemos ver, por exemplo, no chamado “credo histórico” do Povo de Israel (Dt 26,5-10). A Bíblia é uma história de migrantes. Abraão, o “arameu errante”, é o pai da fé, mas é também o antepassado de um povo migrante. Na saga de Abraão e seu povo, entrelaçam-se uma experiência pessoal e uma experiência coletiva. Por outro lado, a passagem pelo Egito e, mais tarde, pelo exílio da Babilônia reforçam esse paradigma migratório de toda a Bíblia. Como motivação de fundo, os Livros Sagrados insistem numa tecla que é um verdadeiro refrão: “acolham o migrante porque vocês foram estrangeiros na terra do Egito”.
Quando passamos ao Novo Testamento, vemos que Jesus e sua mãe viveram no corpo e na alma o drama da migração. Jesus foi um estrangeiro em sua própria terra. Aliás, o cristianismo nasce como uma religião sem pátria. Do ponto de vista teológico, a mobilidade humana é um símbolo fundamental da condição humana, a qual, peregrina sobre a terra, caminha em busca da Pátria definitiva. Daí a conclusão de que “toda a Igreja é peregrina”. Em seus primeiros séculos, aliás, a Igreja recebeu o nome de caminho, por sua origem de religião que seguia os passos do nazareno itinerante. Em síntese, a Igreja é migrante, está sempre a caminho, não pode ficar alheia ao universo da mobilidade humana. Migração tem tudo a ver com a atividade pastoral e missionária da Igreja.
O episódio de Jesus com a samaritana, relatado no capítulo quarto do Evangelho de João, mostra, entre outros aspectos, que Jesus tinha uma predileção toda especial pelos samaritanos, pelos estrangeiros, seguindo a sensibilidade do Antigo Testamento para com “o órfão, a viúva e o estrangeiro”. Tal predileção de Jesus conseguiu inverter o preconceito do povo judeu para com os habitantes da Samaria, como vemos no episódio do Bom Samaritano (Lc 10,13-35). Hoje em dia, o adjetivo samaritana aplicado a qualquer ação social classifica-a automaticamente de solidária.
Seguindo as pegadas de Jesus, a Igreja é convidada a acompanhar os passos dos migrantes, do povo em mobilidade. A presença da Igreja no campo da mobilidade humana transparece em numerosos documentos, como por exemplo, a Exsul Família e, mais recentemente, a Erga Migrantes Caritas Christi. Num rápido olhar aos diversos
documentos eclesiais, desde a Exsul Família até os dias de hoje, Dom Demétrio mostrou como a questão migratória tem estado presente na preocupação e na solicitude da Igreja, especialmente após o Concílio Ecumênico Vaticano II. As várias instâncias da Igreja têm marcado presença nas diferentes situações da mobilidade humana. Cada uma dessas situações específicas exige ações pastorais igualmente específicas. Aqui é importante garantir o respeito às diferenças culturais de cada povo, etnia ou grupo. Não podemos perder de vista, por um lado, as características da realidade específica, e, por outro lado, o caminhar para uma visão de conjunto e uma articulação de todos os serviços pastorais realizados no campo da mobilidade humana.
Do ponto de vista de uma espiritualidade migratória, a convivência com o diferente, com o outro, abre o caminho para o encontro com o totalmente Diferente, o totalmente Outro.
Um dos pontos de partida para o trabalho no universo da mobilidade humana, em suas faces complexas e distintas, é justamente uma abertura permanente ao pluralismo cultural e religioso. Palavras como escuta, compreensão, diálogo, inculturação, com as quais nos deparamos com freqüência nas páginas da Erga Migrantes Caritas Christi, alertam para a exigência de respeitar a diversidade, sem deixar de combater as assimetrias, distorções e desigualdades sócio-ecnômicas que estão por trás dos deslocamentos humanos de massa.
b) Num segundo momento, Dom Jacyr F. Braido, responsável junto ao CELAM pela Pastoral da Mobilidade Humana, chamou a atenção para as principais atividades realizadas nesse campo pelo SEPMOV. Entre elas, destaca a presença nas conferências episcopais; a realização de congressos, encontros e assembléias; as publicações relacionadas ao fenômeno migratório e às atividades pastorais que estão em andamento; o curso na ITEPAL; as parcerias com a Cáritas, as Pastorais Sociais os movimentos, organizações e entidades em geral; constituição de uma equipe de apoio com especialistas da mobilidade humana, nas áreas de sociologia, demografia, economia, teologia, Bíblia, pastoral etc.
Segundo Dom Jacyr, a partir de uma série de encontros significativos – por exemplo, em Vancouver, Canadá; Washington, Los Angeles e Tampa, USA; Montivideo, Uruguai, La Paz, Bolívia; Cartagena, e Bogotá, Colômbia; Daval, Filipinas; Rio de Janeiro, Brasil; Moçambique e Angola; San Jose, Costa Rica, entre tantos outros – fica evidente a conexão entre mobilidade humana e problemática mais geral, como a economia globalizada, a
dívida externa, a miséria e a exclusão social, a situação política dos diferentes países, o rico intercâmbio de culturas. Ressaltou, em seguida, o drama de milhares de migrantes que continuam tentando realizar a travessia para os Estados Unidos, com a cumplicidade dos coyotes, como também o tráfico de seres humanos e a “trata” de mulheres e crianças, especialmente dos países pobres em direção aos países centrais, com fins à exploração
sexual ou ao trabalho degradante. Recordou que, felizmente, essas questões relacionadas à mobilidade humana e a temáticas afins encontram cada vez mais repercussão, seja na programação do CELAM, seja na programação e nos projetos das Conferências Episcopais e das Igrejas Locais.
Deixou claro que a presença da Igreja nos mais diversos eventos que tratam do tema da mobilidade humana – eventos promovidos pelas várias instâncias da própria Igreja, por organizações não governamentais ou por organismos nacionais e internacionais – tem contribuído decisivamente para uma maior sensibilidade e solidariedade diante do fenômeno das migrações. A principal contribuição de Dom Jacyr nos encontros foi a proposta da globalização da solidariedade e nova ordem econômica.
Dom Jacyr falou, ainda, sobre a nova organização do CELAM, lembrando que a Mobilidade Humana está vinculada ao Departamento da Justiça e Solidariedade. E concluiu ressaltando a importância de a Igreja caminhar junto com os migrantes, os refugiados, os nômades, os marinheiros, os pescadores, os brasileiros no exterior, as pessoas ligadas ao mundo do turismo, e assim por diante. Por fim, trouxe informações sobre a V Conferência Episcopal Latino-americana e Caribe, a ser realizada em 2007, na cidade de Buenos Aires, com o tema: Discípulos e Missionários de Jesus Cristo para que Nele todos os povos tenham vida. E o lema “Eu sou o Caminho a Verdade e a Vida”! Como fazer com que o tema da mobilidade humana ganhe espaço nesse momento tão importante da Igreja?
6. Propostas e compromissos
Entre as propostas assumidas pelos participantes do Encontro, destacamos as que seguem, de acordo com as questões debatidas nos grupos de trabalho e apresentadas em plenário:
1. Elementos de espiritualidade
- Retomar e aprofundar temas como acolhida, gratuidade, espiritualidade do caminho, da promessa, da utopia e da esperança; espiritualidade da tenda;
- Atenção aos valores culturais e religiosos de cada povo e etnia;
- Bom Samaritano, sarça ardente, Jesus migrante;
- Contato com o povo migrante, a idéia de cidadania universal;
- Estudo dos conteúdos bíblicos e dos documentos da Igreja, na perspectiva da mobilidade humana;
2. Sugestões para a Equipe de coordenação
- Criar um boletim eletrônico e uma página própria no site da CNBB para divulgação dos trabalhos, intercâmbio de notícias e informações;
- Construir um caminho para definição de linhas comuns, objetivos gerais e específicos desta área pastoral da mobilidade humana;
- Repassar textos e informações relativas ao tema das migrações;
- Desenvolver parcerias com outras Pastorais, organismos, entidades, movimentos sociais e organizações em geral;
- Propiciar formas para dar maior visibilidade aos problemas e atividades de cada Pastoral;
- Na medida do possível, participação nos eventos específicos de cada Pastoral, principalmente nos encontros nacionais ou assembléias;
- Manter relação permanente com o CELAM e o Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes;
3. Relação entre Coordenação e Pastorais
- Intercâmbio de notícias, manter encontros freqüentes, pensar na manutenção financeira da coordenação;
- Coordenação como ponto de referência para as distintas Pastorais;
- Acompanhar os projetos relacionados ao tema no Congresso Nacional;
- Criar canais de denúncia de situações graves e degradantes;
- Repasse do encontro e das informações no interior de cada Pastoral do Setor da Mobilidade Humana;
- Ampliar a equipe nacional levando em conta a representatividade das diversas Pastorais;
- Organização de encontros de formação nos diversos níveis: bíblico-teológico, social, pastoral, cultural, político;
- Elaborar o “folder” geral sobre o Setor da Mobilidade Humana, com o objetivo, endereço, e avaliando a possibilidade de fotos e outras informações de cada Pastoral.
4. Encontros Nacionais
- Prevaleceu a sugestão de uma periodicidade anual;
- Mais espaço para relato de experiências.
No decorrer do Encontro, foram aprovadas duas mensagens endossadas por todos os participantes: a primeira, de apoio e solidariedade a Dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra/BA, por ocasião de sua greve de fome em protesto ao atual projeto de transposição das águas do Rio São Francisco; a segunda, a ser enviada ao Ministro da Justiça,
expressando o desejo de que a nova Lei dos Estrangeiros seja pautada na linha dos direitos humanos e no respeito à dignidade humana dos migrantes.
Às 20 horas do primeiro dia, foi exibido e muito apreciado o filme-documentário Dom Hélder Câmara, o Santo Rebelde, sobre a vida e obra do saudoso pastor dos pobres.
Brasília-DF, 07 de outubro de 2005
Bispo Responsável pelo Setor Mobilidade Humana, na CNBB: D. Jacyr Francisco Braido
Coordenadores do evento e assessores do Setor: Pe. Claudio Ambrozio, cs, e Ir.Rosita Milesi, mscs
Secretária: Ir. Marizete Schiavon, mscs
Relator: Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs