O Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH)/Irmãs Scalabrinianas, em 2020, beneficiou, direta ou indiretamente, incluindo os 10 projetos que desenvolve, mais de dez mil pessoas, como se demonstra no Relatório de Atividades 2020, disponível no site. Em uma série de reportagens, vamos apresentar os principais pontos de cada projeto, levando aos leitores informações sobre os diferentes grupos que o IMDH atende, no amplo universo das migrações e do refúgio. Iniciamos trazendo a experiência de atendimento a solicitantes de refúgio, refugiados e refugiadas.
A venezuelana Luz Marina Gonzalez, 24 anos, está entre as 2.740 pessoas refugiadas que foram atendidas em 2020 pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH)/Irmãs Scalabrinianas. A jovem chegou ao Brasil em 2018, residindo em Brasília, na região administrativa de São Sebastião/DF. Ela e o esposo, também venezuelano, Noeber Emisael, lutam diariamente para dar uma vida melhor a sua filha de apenas 1 ano, além de seu próprio sustento.
Luz Marina mantém seu coração profundamente ligado ao país de origem. As dificuldades do deslocamento e as incertezas sobre a nova vida em outro país a forçaram a deixar na Venezuela seus outros dois filhos pequenos, que são cuidados pela avó materna. “Saí de meu país pois a situação estava muito difícil. Não conseguia trabalho e não tinha condições de comprar os alimentos para minha família”, lembra Luz Marina.
Conheceu o IMDH através da indicação de amigos que já moravam no Brasil. Ao buscar atendimento, solicitou a condição de refúgio e teve apoio para encaminhar a documentação junto à Polícia Federal. Atuando para proteger, assistir e colaborar na integração de pessoas refugiadas, solicitantes de refúgio e apátridas, o IMDH trabalha em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com a ONU Mulheres, bem como com outras organizações da sociedade civil, e colabora no Comitê Nacional para Refugiados do Ministério da Justiça (CONARE/MJ).
Acolhida, integração e assistência a pessoas refugiadas, solicitantes de refúgio e apátridas
Assim como a experiência de acolhida oferecida à Luz Marina e sua família, o projeto de acolhida de refugiados do IMDH, entre as mais diversas nacionalidades, inclui venezuelanos que possuem residência temporária ou por tempo indeterminado, assim como estende o atendimento e o mesmo tipo de assistência e orientação a pessoas de todas as nacionalidades que o procuram ou que necessitam de qualquer dos serviços que disponibiliza. No contexto geral, os venezuelanos são, atualmente, o maior número de pessoas atendidas pelo IMDH.
Foi reconhecido pelo CONARE que a crise que motiva a saída da Venezuela se configura como uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos, indicando que, mesmo aqueles que não solicitam refúgio, podem estar em necessidade de proteção internacional.
O objetivo do projeto é acolher, orientar, prestar assistência jurídica e social, buscando propiciar condições de integração de solicitantes de refúgio, refugiados/as e apátridas, em ações articuladas entre o IMDH, as entidades-membro da RedeMiR, o ACNUR, CONARE e outros atores envolvidos na causa.
Atendimento a refugiados cresce 117% em comparação com 2019
O ano marcado pela pandemia de COVID-19 gerou uma série de impactos para a população migrante e refugiada e, não obstante as dificuldades decorrentes desta situação, o atendimento no IMDH não foi interrompido. Ao contrário, ampliou-se. Diversos foram os cenários que agravaram a situação de refúgio, como o fechamento de fronteiras, a suspensão temporária de serviços de documentação, o desemprego crescente e a redução drástica da renda familiar, além do impacto emocional e psicossocial negativo.
Em resposta aos desafios deste contexto, o IMDH adaptou suas formas de atuação, fortalecendo vários modos de atendimento remoto ou à distância e buscando recursos adicionais para suprir as necessidades emergenciais da população migrante e refugiada.
Em 2020, segundo dados do Relatório Anual de Atividades, os Setores de Integração e Proteção de Refugiados do IMDH atenderam 2.740 pessoas, representando um aumento de 117% em relação ao total de atendidos no ano anterior. Como as fronteiras brasileiras permaneceram fechadas por quase todo o ano, a maior parte das pessoas atendidas já chegaram ao Brasil antes de 2020, ainda que 71% delas tenham sido atendidas pelo IMDH pela primeira vez neste ano. Este fato revela exatamente o impacto que a pandemia gerou na vida desta população, fazendo com que aqueles e aquelas que já estavam de certo modo conseguindo o próprio sustento, perderam suas fontes de renda e passaram a necessitar de apoios para sua subsistência.
O perfil da população atendida em termos de nacionalidade e composição demográfica retrata que, mesmo no contexto de pandemia, houve continuidade e acentuação da tendência observada desde 2018: com as dificuldades de integração local enfrentadas em Roraima e a falta de perspectivas de normalização da situação na Venezuela, é crescente o número de pessoas que continuam o trajeto migratório rumo a outras regiões brasileiras, dentre as quais figura o Distrito Federal. Esse movimento de interiorização ajuda a compreender o expressivo aumento no número de pessoas refugiadas beneficiadas pelo IMDH. Nesse contexto, a proporção de nacionais da Venezuela no total de pessoas atendidas alcançou 83% em 2020, em trajetória pronunciada de alta: de 23% em 2018 para 61% em 2019.
Crescimento no número de mulheres refugiadas
Quanto ao gênero, o relatório apresentado pelo IMDH, observando que aqui se trata somente do atendimento a pessoas em situação de refúgio, demonstra que a proporção de mulheres segue aumentando desde 2017, alcançando 49% da população atendida. Esta tendência se explica primeiramente pelo crescente número de mulheres que encabeçam o projeto migratório e são chefes de família, bem como devido ao processo de reunião familiar.
Neste conjunto, está a jovem Luz Marina que aguarda o momento de abertura das fronteiras para poder buscar seus outros dois filhos. No Brasil conseguiu encontrar melhores condições de vida. “Trabalhei como manicure em meu país. Hoje dedico meu tempo cuidando de minha filha pequena. Sinto-me triste estando longe de meus filhos”, lembrou.